Categoria: Um pouco de história

Os repertórios de procedimentos protocolares da extrema-direita

O jogador de vôlei, Wallace Leandro (Cruzeiro) – como não acompanho este esporte não sabia quem era até a tarde desta terça-feira (31) – quando ele postou em suas redes sociais uma enquete em que perguntava aos seguidores se teriam coragem de alvejar à queima-roupa, com “um tiro na cara”, o presidente da República, Lula. Em seguida a postagem foi apagada. Imediatamente a internet entrou em polvorosa. Em defesa e ataque ao atleta os internautas entraram em campo; ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, afirmou que havia acionado a Advocacia Geral da União (AGU) para tomar providências sobre uma postagem; a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) lançou a boa, velha e ineficaz, nota de repúdio. Na prática, só o Cruzeiro foi um pouco mais adiante e tomou uma medida prática sobre o caso, afastando-o por tempo indeterminado.

O blog Olhar Olímpico, do portal UOL, revelou que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) fez um levantamento de dados constatando que Wallace recebeu R$ 308 mil do Bolsa Atleta, programa de incentivo ao esporte criado pelo petista, em 2005, pelo governo petista.

Pois bem, não me surpreende que mais um beneficiário de programas assistenciais ou de incentivo criados pelos governos petistas tenha essa atitude, de esquecer de onde veio e como chegou até aqui. Já beneficiários do PROUNI, FIES, Ciência sem Fronteiras, bolsas da CAPES de iniciação científica, iniciação à docência, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Sem contar outros programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. É vida!
Também chamo atenção para a presença de um repertório de procedimentos que tem se tornado protocolar entre extremistas de direita desejosos de atenção midiática e aspirantes a cargos públicos eleitorais, ou não. Tal repertório começou a se constituir a partir das experiências nas redes sociais do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, fruto de uma estratégia desenvolvida nas entranhas do conhecidíssimo do “gabinete do ódio”.

Esse repertório de procedimentos consiste, entre outras coisas, em um conjunto de ações protocolares que são padronizadas: publicação nas redes sociais de fake News, alguma incitação ou apoio a ilegalidade, propagação de pautas reacionárias e profundamente intolerantes. Enfim, tudo aquilo considerado pelo extremismo de direita como pautas que fazem parte da agenda fascista “Deus, Pátria e Família” que confronte o “comunismo ateu gayzista bolivariano” pode vir a ser objeto destas postagens. Em seguida, espera-se a repercussão da postagem para que ela possa ser apagada, mas é sabido que o estrago já foi feito porque “a internet não perdoa”. Mas, a repercussão e a comoção em defesa e ataque são planejadas e desejadas pelo autor da postagem. Principalmente se forem acompanhadas de retaliações por parte das autoridades. Decisão judicial de desativação das redes sociais, abertura de inquérito, é o senho de consumo de quem faz esse tipo de publicação. E quanto mais pancadas institucionais vierem, melhor.

Diante disso tudo a pessoa imediatamente vai inverter a situação e passará a se colocar como vitima de perseguição e censura. Por vezes, fará um pedido público de desculpas que na verdade é um recuo estratégico e uma demonstração de falso arrependimento, muito mais por conta de prejuízos financeiros decorrentes da postagem. Isso quando o tal pedido de desculpas não se transforma em um novo ataque. Evocará os valores democráticos os quais desconhece ou simplesmente despreza; alegará que é um “cidadão de bem”, defensor dos imaculados “valores cristãos”, da “família tradicional” e do “patriotismo”.

Assim entramos na etapa do repertório em que os influencers extremistas abraçam “nosso herói” (toneladas de ironia). Ele passará a ser figurinha carimbada em lives pela internet afora (podcasts, Youtube, Facebook…). Haverá convites para compor a bancada de comentaristas de programas exibidos no submundo das comunicações e/ou para se filiar a algum partideco de extrema-direita. E, no caso específico do atleta objeto deste texto opinativo, cuja carreira já se encontra no ocaso, por que não cogitar o início de uma carreira política. Inclusive, caminho semelhante foi percorrido por outro atleta da mesma modalidade e também extremista, Maurício Souza, que após comentários homofóbicos nas redes sociais acabou sendo eleito deputado federal por Minas Gerais com mais de 83 mil votos.

Por fim, penso que, de posse do conhecimento desse repertório protocolar de procedimentos, a melhor atitude a ser tomada é o desprezo, em vez da enorme atenção dada a um sujeito cuja existência seria imperceptível em outras circunstâncias. O melhor a fazer é fortalecer o processo de desbolsonarização das instituições públicas e privadas deste país. Se bem, que pelo andar da carruagem, o próprio governo Lula não tem se ajudado muito nessa empreitada. Que o diga o ministro Juscelino Filho (Comunicação). Mas, aí, já é outra história.

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando e mestre em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia e Segurança Pública.

Em tempos de Carnaval que seja bem-vinda a crítica social…e política também

Com sua cadência militar e compasso binário, as marchinhas são parte integrante do Carnaval brasileiro e muitas delas acabaram se tornando grandes sucessos e ultrapassaram diversas gerações.
Marchinhas de carnaval retratam história e política da sociedade brasileira.

De origem portuguesa, as marchinhas carnavalescas foram inicialmente introduzidas no Rio de Janeiro. Seu apogeu se dá entre as décadas de 1920 e 1960. “Ó abre alas”, composta em 1899 pela Chiquinha Gonzaga, é considerada a primeira marchinha brasileira. O objetivo consistia em alegrar o cordão carnavalesco Rosas de Ouro.

As marchinhas de carnaval, aos poucos foram criando corpo: Uma de suas principais características é a capacidade de, maliciosamente, realizar crônicas do cotidiano, debochar ou criticar personagens públicos ou anônimos da cidade, momentos políticos.

“Elas são a expressão do humor popular da praça pública; é um processo de carnavalização em que não se leva nada a sério”, afirma Walnice Nogueira Galvão, autora de Ao Som do Samba- Uma Leitura do Carnaval Carioca.

Como exemplo, se pode retomar Lamartine Babo, o “rei” do carnaval carioca, que em 1932 referia-se à mulata e não perdeu a oportunidade para alfinetar o golpe de Estado que marcou a ascensão de Vargas ao poder, em 1930, com a consequente nomeação de interventores para administrar os estados brasileiros. Em uma das estrofes de O teu Cabelo não Nega, Lamartine canta: “Tens um sabor / Bem do Brasil / Tens a alma cor de anil / Mulata, mulatinha, meu amor / Fui nomeado teu tenente-interventor”.

Além de política, as temáticas eram as comédias de costumes, o nonsense (com o casamento de rimas sem sentido) e a crítica social, como nos versos “Tomara que chova / Três dias sem parar / A minha grande mágoa / É lá em casa não tem água / E eu preciso me lavar”. O péssimo abastecimento de água no Rio inspirou Paquito e Romeu Gentil a lançar, em 1951, Tomara que Chova.

O Carnaval maranhense também é permeado de marchinhas com toda essa verve de crítica, bom humor e malícia. Uma das que mais me atraem, exatamente por fazer uma crítica à situação política e ideológica vivida pelo país atualmente, é “O João é um fascista”, de autoria do professor de História Paulo César Furtado Almeida (“Paulo Gereba”). Segundo “Paulo Gereba” o propósito de sua marchinha é criticar, de forma bem-humorada, os (des)usos que a extrema-direita faz do fascismo (ideologia de direita), colocando-o de forma leviana e proposital no campo ideológico da esquerda. A letra da marchinha de Paulo Gereba segue abaixo:

O João é um fascista.
Ele vai ficar na pista.
O João é um fascista.
Ele vai ficar na pista.

É da direita.
É da esquerda.
Que confusão do analista.

É da direita.
É da esquerda.
Que confusão dos analistas.

Meu irmão toma cuidado.
Com esses antagonistas.
Pois eles são de carteirinha.
Pseudos analistas.

É da direita.
É da esquerda.
Que confusão dos analistas.

Tema: O João é um fascista.
Mês/Ano: Janeiro de 2018.
Autor: Paulo Gereba

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia e Segurança Pública

“Treino difícil, combate fácil”: a importância das técnicas na formação profissional

Longe de mim estabelecer alguma relação, por menor que seja, entre a docência e o trabalho policial. Entretanto, preciso fazê-lo (guardadas as devidas proporções) para promover essa análise.

Tanto o exercício da docência quanto o trabalho policial são submetidos a técnicas que norteiam seus respectivos praticantes.

O docente que frequentou o curso de Licenciatura estuda Didática, Psicologia da Educação, Estrutura e Funcionamento do ensino e realiza um estágio supervisionado.

O policial durante o Curso de Formação de Soldados (CFSd) também aprende os procedimentos técnicos do seu ofício. O currículo do CFSd da PMMA é constituído por 38 disciplinas, dentre elas: Teoria Geral da Segurança Pública, disciplinas que envolvem conhecimento jurídico como, direito penal e Processual Penal, Direitos Humanos e disciplinas que envolvem Técnica Policial, como, Técnicas de Abordagem Policial, Policiamento Comunitário, Defesa Pessoal e tiro Policial. Os alunos são constantemente submetidos a avaliações teóricas e práticas. Além das disciplinas técnicas da atividade policial e Direito, a grade curricular conta com disciplinas como resgate e prontosocorrismo, libras e de direitos humanos, além de princípios de cidadania com base na filosofia de respeito à vida, à integridade física e à dignidade da pessoa humana. (fonte: www.pm.ma.gov.br).

Não nos interessam as minúcias dessas formações (docente e policial), suas falhas e equívocos​. O que importa é que elas são o pré-requisito para o exercício da profissão. Subentende-se que ao passar pelo curso ambos terão plenas condições de encarar uma sala de aula (no caso do docente) e uma operação de policiamento preventivo/ostensivo (no caso do PM).

Partindo desse princípio afirmo que o docente tem a obrigação de aplicar as ferramentas técnicas aprendidas e, supostamente, apreendidas por ele ao longo da sua formação e de sua carreira. O docente deve sempre ponderar qual a melhor estratégia de abordagem de um determinado eixo temático, sempre com base nos pressupostos acadêmicos do seu ofício. Na compreensão dos processos cognitivos de aprendizagem ele deverá aplicar o conhecimento adquirido em Psicologia da Educação. Na Didática, ele busca a melhor maneira de promover a transposição. Sempre entendendo que sua ação docente não pode ser improvisada. Ao contrário, deve ser planejada, passo a passo com o propósito de alcançar um objetivo pré-estabelecido.

É possível professores que utilizam a arte do improviso serem bem sucedidos em suas ações pedagógicas? Sim. Mas, uma hora o improviso não funciona mais. É possível, a despeito das técnicas pedagógicas, o trabalho docente ser eficiente e de boa qualidade? Tenho dúvidas. As técnicas existem para prever toda a intencionalidade do fazer pedagógico ou docente. Seguindo-as a certeza de sucesso é garantida.

Da mesma maneira é o trabalho policial. Todas as técnicas aprendidas e, supostamente, apreendidas durante o curso se forem bem aplicadas, garantem o sucesso de toda e qualquer ação.

É pouco provável e inadmissível alguém que em sua formação tenha sido instruído nos princípios do respeito à vida, à integridade física e à dignidade humana não consiga gerenciar o risco de trocar tiros de fuzil em plena via pública com quem quer que seja sob o risco de atingir um inocente. Ou ainda, não consiga mensurar os danos causados pelo uso inadequado do que convencionalmente é conhecido como “uso progressivo da força” contra alguém notadamente em surto psicótico.

Não sou profundo conhecedor de procedimentos técnicos de operações de combate urbano. Mas, da mesma maneira que o docente tem a obrigação de mediar conflitos em sala de aula de forma que os danos sejam nulos, o policial tem o dever, em primeiro lugar, pensar em proteger e depois em exercitar a “guerra” e matar. Para tanto, é primordial o pleno domínio da utilização e aplicação de técnicas, tecnologias, armas, munições e equipamentos não-letais em atuações policiais. Assim, o policial deve utilizar todos os recursos disponíveis e possíveis para preservar a vida de todos os envolvidos numa ocorrência policial, antes do uso da força letal. Em tempo. Os equipamentos não-letais são aqueles que, mesmo não classificados como armas, foram desenvolvidos com a finalidade de preservar vidas, durante atuação policial ou militar, inclusive os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s).

Ora, se não for dessa maneira para que servem as técnicas, os cursos de formação e capacitação? Se o fim da atividade docente é o aluno, o fim da atividade policial é a preservação da vida e da sociedade.

 

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública.

Curso de Formação de Oficiais da PM-MA: indagações e ponderações

O Processo Seletivo de Acesso à Educação Superior (PAES) é o instrumento pelo qual a Universidade Estadual do Maranhão seleciona seus futuros alunos. Para a edição de 2023 inscreveram-se Mais de 33.029 candidatos que disputaram 4.320 vagas, entre UEMA e UEMASUL. Nesta quinta-feira (2), saiu o edital com o resultado final.

O que mais me chamou atenção foi o fato do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar/Bacharelado em Segurança Pública (CFO PM-Ma/Bel. SP) ter sido, outra vez um dos mais concorridos, quer seja no sistema universal ou nas cotas; masculino ou feminino. Ao tomar conhecimento desse fato passei a indagar a mim mesmo e também alguns alunos e alunas, os/as quais eu sabia que fariam vestibular para o CFO-PM, sobre as razões desse fenômeno e sobre os motivos de sua escolha. Tudo isso sem qualquer rigor científico.

Todos confirmaram a minha hipótese inicial: “a possibilidade de receber um salário e ter estabilidade”. Caso seja aprovado para o Curso de Formação de Oficiais da PM-MA o aluno/cadete já começa a receber R$ 4 712,00 de remuneração mensal e receberá esse valor até a sua formação O curso tem duração de 3 anos e meio e ao final, o estudante passa a ser Aspirante, com remuneração mensal de R$ 7 972,00 e segue a carreira militar até Coronel. Entretanto, esse não é o único elemento motivador. Assustei-me quando ouvi os outros. Visto que não eram entrevistas e sim uma conversa informal eles se mostraram mais abertos a expor suas motivações. Ouvi coisas do tipo: ” Vou poder andar armado pra me proteger.” “Vou ser é mau!” “Vou dar é porrada, mesmo!” E, por aí vai.

Tais falas me levaram a promover elucubrações a respeito de uma possível relação entre o atual contexto de ódio existente no Brasil e o espantoso aumento da concorrência do CFO da PM-Ma. Nenhum dos jovens com quem conversei alegou motivos nobres para justificar sua escolha, exceto a já mencionada estabilidade. Ao contrário, todos (sem exceção) usaram argumentos fundamentados num senso deturpado de justiça. A arma de fogo se torna a ferramenta pela qual a justiça será aplicada. A cura da maldade é a própria maldade e a violência é uma forma de expurgar a violência.

O mapeamento dessa visão de mundo é de complexa construção. Talvez se localize na família, na escola, nas redes sociais, cursinhos, entre amigos ou na vilania natural do homem (segundo Hobbes).

O importante é que, cada vez mais, me preocupo com o tipo de gente que por muitos anos ajudei (direta ou indiretamente) a entrar na universidade. Não me refiro, agora, apenas ao CFO. Incluo Medicina, Direito, Engenharias, História, etc. Entendo que ninguém pode ser condenado por querer sobreviver.

Mas, entendo, também, que o papel da educação é mudar pessoas para que elas mudem o mundo. Construir indivíduos capazes de serem conscientes de si e de seu compromisso com uma pauta que valorize a vida, respeite os Direitos Humanos, a diversidade e pregue a cultura da paz. Em vez disso, o que vemos frequentemente é o estímulo ao individualismo e competição. Ambos são, invariavelmente, combustível para a intolerância e violência. Além de reforçarem as desigualdades sociais. Por isso, não abro mão da minha narrativa piegas, “petralha”, “comunista”, “esquerdista”, “bolivariana”, ou o que o valha.

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública

A fronteira entre o bolsonarismo e o golpismo bolsonarista nas Polícias Militares

É fato que a PM, institucionalmente, sempre flertou – e muitas vezes namorou e casou – com o autoritarismo político. Por isso, no Estado Novo (1937-1945) ela foi “varguista”, na fase mais aguda da Ditadura Civil-militar (1968-1974), foi “medicista” e agora é “bolsonarista”. E com certeza, no futuro, seguirá os “valores exóticos” de outro líder autoritário.

Entretanto, e é essa a reflexão a ser feita, a adesão ao bolsonarismo não implica na adesão ao golpismo bolsonarista. O que é outra coisa. O problema é que a parcela golpista da tropa é bastante numerosa e radicalizada, chegando ao cúmulo de defender publicamente nas redes sociais atos antidemocráticos. Os atos golpistas ocorridos em Brasília que culminaram no maior atentado já praticado às instituições democráticas brasileiras assustaram, mas não surpreenderam ninguém, pela omissão, no mínimo, das forças de segurança pública do Distrito Federal. Omissão esta que envolveu desde a SSP-DF, passando pelo comandante-geral da PM, oficiais, chegando até às praças.
Por que afirmo que nada disso surpreende? Ora, desde 2021, o então presidente Bolsonaro já evidenciava sua verve golpista, incitando seus seguidores a abraçarem o caos.

Paralelamente, a violência política praticada por policiais militares cresceu em todo o país. Usar um adesivo em seu carro particular com os dizeres “Bolsonaro genocida” tornou-se argumento para que um policial militar do Goiás detivesse um professor por violar a caduca Lei de Segurança Nacional, lá dos tempos da finada Ditadura Civil-militar (1964-1985).

Seria cômico se não fosse trágico, mas nem é de competência da PM realizar esse tipo de abordagem. Outro caso ocorreu em Pernambuco, quando a tropa de choque reprimiu de forma desmedidamente violenta uma manifestação popular pacífica contra Bolsonaro. O resultado dessa barbárie foi que dois transeuntes foram alvejados nos olhos tendo sequelas graves. Em ambos ficou evidente o conteúdo ideológico que impregna as PMs. No Goiás houve o temporário afastamento do pm; em Pernambuco foi aberta uma investigação.

Aqui no Maranhão o bolsonarismo golpista não chegou a “se criar” por que o ex-governador Flávio Dino adotou duas de suas clássicas estratégias: a cooptação das lideranças policiais radicais de extrema-direita, através de promoções e distribuição de cargos. E a outra estratégia foi a perseguição, exonerando, transferindo, silenciando politicamente.
Uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançada em agosto de 2020 em parceria com a Decode, mostrou que o alinhamento ao discurso do bolsonarismo antidemocrático e golpista que apoia o fechamento do Congresso e/ou prisão de ministros do STF englobava ao menos 12% de policiais militares, 7% de policiais civis e 2% de policiais federais que possuem perfis nas redes sociais e atuam publicamente em grupos e páginas do Facebook.

Os números captados nas redes sociais pelo FBSP são semelhantes aos alcançados pelo instituto de pesquisa de opinião Atlas, que aplicou em abril de 2021 um survey especificamente junto à classe policial. Nessa pesquisa, 21% dos policiais brasileiros (27% dos policiais militares) declararam que são a favor da instalação de uma ditadura militar no Brasil. Tal percentual representava àquela altura uma força bruta armada e sedenta de cerca de 120 e 140 mil policiais adeptos dos bolsonarismo golpista e antidemocrático.

Portanto, apesar de tudo não é possível afirmar que exista uma relação direta entre uma polícia bolsonarista e uma polícia golpista. Estabelecer tal relação é leviana e indevida. Existem freios regulamentares e institucionais que possam até permitir a presença do bolsonarismo dentro das polícias sem que sua vertente golpista se consolide ainda mais.

Se não houver o aperfeiçoamento dos instrumentos de monitoramento e controle interno e externo da atividade policial (MP, ouvidorias, corregedorias…sociedade civil…) e punições severas, os atos de negligência, prevaricação, leniência, desobediência hierárquica, omissão e violência política praticados por agentes de segurança públicos, continuarão ocorrendo.

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública

Da Deodoro a Pedrinhas: gangues, galeras e facções: Do Mito às origens

Relembrando meus tempos de “estudante secundarista” da Escola Técnica Federal do Maranhão (ETFMa) me veio à mente uma possibilidade muito plausível: as facções de hoje podem ter alguma relação, ainda que microscópica e indireta, com as gangues de outrora. Por isso decidi produzir essa série de reflexões. Nelas vou tentar estabelecer um nexo entre uns e outros. Para tanto, ora irei recorrer ao meu “baú de memórias”, ora ao trabalho de pesquisa do Historiador. No sentido inverso da frase: qualquer coincidência com minha própria vivência é mera semelhança.

Aqui em São Luís essas gangues/galeras/facções surgiram nos anos 80, muito ligadas à cultura do Hip Hop e das gangues americanas apresentadas de forma caricaturada através de filmes como “Território Inimigo”, “Colors”, “Breakdance”. No primeiro momento, essa galera se reunia nas praças Deodoro e Gonçalves Dias pra gazear aula, bater papo, fazer “roda de break”, namorar, “fumar um”, “tomar licor de menta” “catuaba” ou “Vinho São Braz” (furtado da Lusitana em frente à Embratel ou do Confiança da Rua Rio Branco), cometer pequenos delitos (furto, agressão, porte de arma branca…) e brigar.

Os grupos se organizavam conforme o bairro/região da cidade ou afinidades pessoais e pela necessidade de pertencimento. Nesse ambiente as rivalidades e o processo de coisificação do outro são inevitáveis. Essas rivalidades eram agravadas nas festas/boates (Casino Maranhense, Clubão da Cohab, Associação do Cohatrac, KGB, etc).

No Sistema Prisional de São Luís não tenho conhecimento de algum grupo anterior a esse período. Entretanto, nos anos 80/90 os apenados usavam a mesma estratégia de agrupamento usada nas ruas, ou seja, por bairro/região ou por afinidade, como estratégia de sobrevivência, organização e controle da economia delinquente dentro do mundo intramuros.

 

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública.

As Prisões no contexto da Sociedade Disciplinar” (fragmentos)

Segundo Foucault (2010, p. 133), esses métodos […] permitem o controle minucioso das operações do corpo, realizando a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, […]. Além disso permitirá a concepção acerca de que maneira essas relações e esses conceitos interferem nas atividades educativas.
Por sua vez, Durkheim compreende a educação como um fenômeno historicamente constituído como um instrumento de propagação do saber e, ao mesmo tempo, com vistas a coagir e adaptar o indivíduo ao meio. Para Durkheim (2010, p. 30) […] cada sociedade, considerada num determinado ponto de seu desenvolvimento, tem um sistema de educação que se impõe aos indivíduos com força em geral irresistível.
Todas as instituições sociais (política, economia, religião, educação) existem a priori. Isto é, precedem os indivíduos. Desta forma, ao nascermos encontramos uma série de concepções pré-existentes que padronizam e regulam as relações sociais.
Segundo Durkheim:

Todos esses fenômenos têm em comum a particularidade de sobreporem-se às consciências particulares impondo sanções legais ou morais que exercem uma coerção irresistível aos comportamentos, ideias e valores diferentes dos coletivamente dominantes. Logo, nessa concepção, a sociedade prevalece, impõe seus modos de ser e pensar sobre o indivíduo. É uma realidade superior e mais poderosa que o indivíduo. (DURKHEIM, 2010, p. 10-11).

Assim, a função primordial da educação é reproduzir os padrões e normas estabelecidos a priori e preparar o indivíduo para sua inserção no meio social, o mais bem adaptado quanto possível. Portanto, estando acima das vontades individuais e definindo a educação de forma objetiva como:

[…] um processo de aprendizado das regras e normas sociais efetuado pela sociedade sobre as novas gerações para despertar e desenvolver nas crianças as condições físicas, intelectuais e morais exigidas para a perpetuação dessa sociedade e para adaptá-las ao meio social específico a que se destinem. (WELINGTON PAZ, apud, DURKHEIM, 2010, p. 13).

Desta forma, conclui-se que cada sociedade tem seu tipo modelar de sujeito. Sendo seus hábitos, valores, comportamento, aparência, conduta ética e moral vistos como padrão para os outros sujeitos.
Paulo Freire (1996) estabelece as bases para compreendermos que o ato de ensinar é antes de mais nada resultado de um posicionamento ideológico.
Nas palavras de Freire:

Saber igualmente fundamental à prática educativa do professor ou da professora é o que diz respeito à força, às vezes maior do que pensamos, da ideologia. É o que nos adverte de suas manhas, das armadilhas em que nos faz cair. É que a ideologia tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, como o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna míopes. (Freire, 1996, p. 125)

Destarte, percebemos que a dominação ideológica pode ser, e geralmente o é, mais eficiente que a dominação obtida por meio da violência física. Uma vez que ela nos impede de vermos com clareza, isto é, nos miopiza, disfarçando a realidade e nos levando a aceitarmos as práticas educacionais (dentro e fora do sistema prisional) docilmente. Sem, entretanto, não nos darmos conta que elas nada têm de libertadoras. De fato, visam atender as demandas do capitalismo, bem como da globalização. Sendo assim, poderemos analisar o caráter ideológico das penas e da educação praticadas no sistema prisional brasileiro (em geral) e no maranhense (em especial).

REFERÊNCIAS

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução de Maria de Fátima Oliva do Coutto. Introdução de Weligton Paz. São Paulo: Hedra, 2010.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública.

Nem sempre quem tem a vivência tem a excelência

Tem sido recorrente se falar em segurança pública no Brasil. Nesse sentido, todos têm uma solução mágica, um remédio milagroso, uma pedra filosofal que vai desde a defesa do endurecimento da penas, através da constitucionalização da pena de morte (esta que causa frenesi e êxtase na grande massa, quando pronunciadas por “pit bulls” populistas, que se arvoram, choram e gritam: “bandido bom é bandido morto”) até aqueles que advogam pelo abrandamento ou extinção de crimes, como a liberalização das drogas.

Fala-se de segurança pública da mesma forma infantil e rasteira como se falam de futebol. Todos sabem o que fazer, onde mexer, o que está faltando. O quadro piora quando essas “soluções” são apresentadas logo após uma enxurrada de notícias “midiáticas” propagandeando algum “acidente” (conforme o presidente Temer). Essas fórmulas mágicas reverberam nas casas legislativas e no Ministério da Justiça, fazendo minar respostas para tudo, numa febril e alucinante rapidez, possibilitando um ambiente propício para discursos inflamados, apaixonados e carregados de sensacionalismo e ganham ares de salvação da pátria.

E a violência? Os indicadores são assustadores (de guerra civil) e o desfile de sugestões, projetos e programas para redução da criminalidade e da violência, que se apresentam como saídas mirabolantes, engenhosas e geniais são igualmente assustadores. Proponho uma análise a partir de várias perspectivas e isento de crenças por entender que a violência e a criminalidade são fenômenos multidisciplinares que necessitam de uma análise científica mais ampla que envolva tanto o poder público quanto setores da sociedade civil organizada e pesquisadores da área.

 


*Doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública.

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