Começo esse artigo citando uma das minhas referências na comunicação, o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues.
Em sua crônica semanal na revista Manchete Esportiva no dia 17 de dezembro de 1955 sob o título de “A conveniência de ser covarde” o autor de A Sombra das Chuteiras Imortais foi acompanhar uma partida entre o Olaria e o Fluminense na tradicional rua Bariri e disse o seguinte na época:
“via de regra, só o heroísmo é afirmativo, é descarado. O herói tem sempre uma desfaçatez única: — apresenta-se como se fosse a própria estátua equestre. Mas a covardia, não. A covardia acusa uma vergonha convulsiva”.
Dito isso, precisamos voltar um pouco no tempo para tentarmos entender o atual momento do Moto Club, mas precisamente ao final do ano de 2007, quando o deputado Antonio Bacelar assume a presidência do Moto. Percebam que há 15 anos o moto já repetia a formula de políticos “salvadores da pátria” para gerir um time de futebol. A imprensa na época vendia uma terra arrasada na gestão de Biné Borges, em virtude do mal campeonato e mesmo ele tem deixado no elenco nomes como Misael, Paulo César, Lenilson e Palito, não foi perdoado pela crônica esportiva.
Antonio Bacelar prometeu o que a torcida queria ouvir, mas não aguentou a pressão dos resultados na taça cidade de São Luis, ficou ausente e saiu meses depois usando a desculpa do mandato. Em seu lugar assumiu o Nelson Frota, que já era presidente do Conselho Deliberativo e segurou o clube pagando os salários, mas no final de outubro de 2008 deixa o clube depois de uma determinação sua ter sido desobedecida por um conselheiro e também pelo lamentável fato em que seu filho levou uma pedrada da torcida após um empate contra o rival que desclassificou o time no segundo turno. E observem bem, o time foi campeão do primeiro turno e acabou sagrando-se campeão naquele ano com Evandro Marques como gerente de futebol.
Mesmo sendo campeão, a imprensa continuava vendendo terra arrasada e encontrou no deputado Cleber Verde a esperança do momento para acabar com a carência de um político “salvador da pátria”. Como exemplo uma manchete da época dizia que acabou o drama rubro negro… Mas na verdade estava começando ali o nosso calvário.
O ano de 2009 foi trágico para o Moto. Tivemos mais uma vez a ausência do presidente, Evandro Marques foi preterido por Cesar Castro no comando do futebol, o elenco totalmente modificado e contratações como Daniel Meneses, do uruguaio Larossa não surtiram efeito, nem mesmo Jack Jones e Marcinho foram capazes de evitar o rebaixamento, uma vergonha sem precedentes para a história do clube.
Ainda em 2009 houve uma tentativa desprezível de virada de mesa para o clube disputar a segunda divisão no mesmo ano que caiu, tal lambança ganhou repercussão nacional quando o Chapadinha entregou o jogo para o Viana no placar de 11 x 0, resultado que impediu o Moto de voltar a primeira divisão. Em 2010 apesar da ameaça do então presidente do conselho deliberativo Cursino Raposo de fechar as portas por falta de dinheiro, o moto conseguiu ser campeão da segundinha e voltar à elite do futebol maranhense, mas por pouco tempo.
No inicio 2012 tivemos uma junta governativa com Sarney Neto de presidente e Daniel Menezes de diretor de futebol, novamente a crise de salários atrasados, presidente ausente e conselho deliberativo omisso, praticamente uma repetição de erros do passado, o resultado foi mais uma vez o rebaixamento para série B do campeonato maranhense. Na sequencia veio a primeira presidente mulher na história do clube, Vera Baldez que tinha como Braço Direito Cleber Pereira, mas não conseguiu terminar o ano na direção do clube. Cleber Pereira abandonou o cargo de diretor de futebol e o time tecendo duras criticas ao conselho deliberativo e com o clube repleto de dívidas.
Em 2013 nenhum politico salvador da pátria quis assumir o time na segunda divisão e coube ao saudoso Roberto Fernandes à missão de colocar o Moto na primeira divisão novamente, mas passada a euforia veio a realidade da crise financeira e Roberto propõe a paralisação do clube devido ao baixo público nos estádios e a falta de patrocínios para continuar disputando o campeonato maranhense 2015.
Em 2016 Hans Nina assume e consegue ser campeão estadual e almejado acesso a serie C, mas renunciou decepcionado com a torcida após ser derrotado nas urnas, mas pesou também a falta de receitas previstas para a temporada seguinte e as ameaças de penhoras por dividas das gestões anteriores.
Com a renúncia de Hans, em 2017 Celio Sergio assume, monta um bom time trazendo jogadores pedidos pela torcida, mas numa “interpretação equivocada” do regulamento pela FMF, o Moto fica fora das finais do campeonato. As cotas da copa do nordeste e copa do Brasil não foram suficientes para suportar a folha salarial mais alta dos últimos 10 anos, além das penhoras de dividas das gestões anteriores e no final da temporada o trágico rebaixamento para a série D. Daniel Meneses era o diretor de futebol e mais uma vez o fantasma do descenso bateu na sua porta.
Em 2018 esse que vos escreve assume o time e fica quatro anos a frente do clube e se torna o presidente que passou mais tempo no comando do clube nos últimos 20 anos. Foram quatro temporadas, sendo as últimas duas durante a pandemia que prejudicou vários times de futebol pelo Brasil, sem públicos nos estádios e falta de patrocínios com empresas sendo socorridas pelo governo federal para não quebrarem, mas mesmo assim cheguei a quatro finais consecutivas, sendo campeão em 2018, mantendo o calendário completo para time, mas a imprensa mais uma vez vendia a terra arrasada.
A história é um pouco longa para chegar até o momento atual, porem necessária para um melhor entendimento e questionamentos que precisam ser feitos.
O primeiro deles é em qual mundo vivia o atual presidente que não conhecia o histórico do time que se meteu para gerenciar? No seu discurso estava a falácia de que tinha resolvido o problema do Socorrão e seria muito fácil encarar o Moto. Sobre o resolver o problema do velho hospital, é bom deixar claro que Yglesio, que por sinal é médico de profissão, ficou longe de resolver os problemas históricos do Djalma Marques, passou apenas sete meses na direção sendo demitido pelo prefeito Edvaldo Holanda Junior, os legados de sua gestão foram apenas uma vaquinha para arrecadar alimentos e outras polêmicas que não vale a pena nem citar. Agora me digam, tem possibilidade de alguém, por mais capaz que seja, resolver problemas crônicos de décadas em um hospital em sete meses? Pior que teve gente que acreditou nessa história. A imprensa esportiva então fez festa.
Mas não podemos esquecer os conselheiros que o apoiaram, foram praticamente os mesmos de 15 anos atrás que sequer avaliaram suas bravatas e pasmem, ainda continuam acreditando na solução de um político “salvador da pátria”. Mas para alguns basta ter um mandato e mesmo nunca o deputado nunca ter ido torcer para o time no Nhozinho Santos, entregaram o destino de um clube de 84 anos de tradição para um aventureiro que com toda a sua arrogância, achou que resolveria os problemas de décadas do time passando por cima todos adotando um discurso de investimentos baixos no time para pagar em dia.
O resultado esta ai, o time dois anos sem calendário e de férias de suas atividades já em fevereiro, uma marca negativa difícil de ser superada na história do clube. Um prejuízo muito maior do que deixar dois meses de folhas salariais atrasadas. Ou seja, deixaram um calouro no futebol que jamais foi motense, que nunca jogou bola na vida, que estava por fora da realidade do futebol local tomar decisões sobre o futuro do clube sem o mínimo conhecimento de causa. Será que Yglésio errou sozinho mesmo? Com Certeza não.
Para o Moto resta juntar os cacos e resolver internamente o seu futuro. Os conselheiros mais antigos precisam reconhecer que já fizeram muito pelo clube em outros momentos, mas o modelo de governança precisa mudar. O Moto é um time que nasceu nas elites maranhenses e que sempre teve o poder concentrado em famílias tradicionais do estado, essa tradição foi quebrada algumas vezes a custo de embates internos prejudiciais as gestões que passaram pelo time. Porém não podemos responsabilizar somente alguns conselheiros ou presidentes que passaram ou que por ventura venham assumir. É necessário um amplo debate interno com torcedores e conselheiros para definir qual rumo seguir, é preciso inclusive repensar algumas formas de torcer onde copiar e normalizar ofensas e xingamentos em redes sociais como acontece nos grandes do futebol brasileiro não vai trazer uma solução, pelo contrário, nossa realidade é diferente, é preciso entender isso, além do mais, a história mostra que essas práticas já afastaram nomes como Nelson Frota e o próprio Hans, bons presidentes que contribuíram notadamente para o clube.
Esperamos que o prejuízo enorme a marca do clube causada pela gestão de Yglesio, repito, bem maior que duas folhas atrasadas, sirva de lição para mostrar que não existe “salvadores da pátria”, é necessário arregaçar as mangas e trabalhar pelo time de mãos dadas. Não da para ter a postura de atirar pedras e esconder a mão, não é admissível um poder concentrado na mão de conselheiros antigos para decidir quem é o presidente e depois do caldo derramado tirar o corpo fora, e ainda continuar insistindo no erro colocando políticos que caem de paraquedas buscando uma base eleitoral para se elegerem.
Precisamos virar essa página, como também é necessário entender que setores da imprensa não são amigos do clube, imprensa sobrevive de polêmicas e quer extrair o máximo que pode da rotina do time em busca de audiência, afinal todos sabem que noticias ruins vendem mais do que noticias boas. Sem falar a maioria dos nossos jornalistas esportivos já passaram de alguma forma pelo futebol futebol profissional como jogadores, dirigentes, assessores e nunca resolveram nada, mas mesmo assim falam como se fossem sumidades. Para piorar são influenciados pelo modelo de futebol dos grandes clubes e a comparação desleal com outras realidades induzem o torcedor a exigir muito mais de um futebol local, que por sinal esta bem longe dos grandes centros transformando os clubes como o Moto em uma grande panela de pressão tornando inviável a harmonia necessária entre clube e torcida.
Lembram-se da frase de Nelson Rodrigues no inicio do texto, pois bem, no começo todos chegam arvorados de coragem, mas na hora do “pega para capar” dentro de campo, afinam e saem de cena, os que escolheram se encolhem e cabem aos que ficam segurar o veneno, futebol não é para qualquer um, muito menos para quem nunca jogou bola na vida.