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A quem interessou e quem se beneficiou com o Golpe de 64

Paulo Henrique M. de Jesus

O Golpe de 31 de março 1964 marcou o início da implantação no Brasil de um Estado de Segurança Nacional, fundamentado no autoritarismo, que vigorou por 21 anos (1964 – 1985) e estruturou-se, entre outras coisas, com base na utilização de diversos mecanismos de repressão e subjugação da sociedade. A violência policial, a elaboração dos Atos Institucionais (AI), censura, intensa perseguição aos opositores da ditadura, expurgos, cassação de mandatos, prisão, a criação dos Inquéritos Policiais Militares (IPM) e do Serviço Nacional de Informação (SNI), O Conselho de Segurança Nacional, a Constituição de 1967, a Lei de Segurança Nacional (LSN), instituída pelo Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967 e revisada pelo Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969. Mas também todo o arcabouço jurídico subsidiário, como por exemplo, o Decreto-Lei nº 317, de 13 de março de 1967 e o Decreto-Lei nº 667 de 2 de julho de 1969 que colocam o aparato policial sob controle do Exército.
Até a década de 1980, foram cientistas políticos os mais interessados em se debruçar e formular interpretações genéricas sobre a adoção latino-americana de governos de cunho militar. Segundo o historiador Carlos Fico tal discussão não apresentava interlocução, na dimensão da pesquisa, com vestígios materiais, acabava por não despertar o interesse dos historiadores. Desse modo, as informações disponíveis sobre a ditadura provinham da imprensa, de discursos oficiais e de depoimentos ou memórias: são recentes os trabalhos que têm acesso a grandes fundos documentais.
Um dos pontos principais da discussão proposta por mim nesse microscópico artigo se concentra em torno da caracterização de quem apoiou, consentiu e possibilitou a realização do golpe. Segundo Carlos Fico o golpe foi apoiado por muitos, mas a movimentação de tropas militares foi autorizada pelo governador Magalhães Pinto e, com a deliquescência do governo, o Congresso Nacional decretou a vacância do cargo de presidente da República: políticos, militares e parlamentares deram o golpe com o apoio, o entusiasmo ou para o gáudio ou desespero de muitos setores.
Analisar com a perspectiva unilateral a ideia de apoio é bastante inconsistente. Se por um lado, é fato que o golpe foi apoiado por diversos políticos, empresários, Igreja Católica, imprensa, latifundiários e contou com a complacência da OAB. Por outro lado, na dimensão das campanhas públicas de opinião feitas à época, era demonstrativo de que havia uma ampla popularidade desfrutada pelo então presidente João Goulart. Ainda nesse sentido, era também evidente que a cúpula das Forças Armadas, já no poder, tinha a preocupação de preservar o apoio dos setores que foram essenciais por ocasião do Golpe de 1964. O Golpe de 1964, se insere na dimensão do enraizamento do Brasil na esfera de influência do capitalismo estadunidense, tendo como alvos não apenas o trabalhismo e o comunismo, mas também todos aquele que eram subjugados pelas contradições capitalistas, nesse caso o todo do proletariado, permitindo que, na perspectiva marxista, a estrutura estatal brasileira, anterior e posterior ao golpe, tivesse uma essência de classe. Significa, então, que o debate sobre o âmago de classe do Golpe de 1964 e da posterior estrutura estatal implantada é vazio. Visto que, tal âmago nunca estivera realmente sob ameaça.
Com o Golpe de 1964, montou-se um conjunto de ideias e práticas cuja finalidade era a defesa do Estado e da ordem política e social chamada Segurança Nacional. Toda essa situação era potencializada no plano internacional pela Guerra Fria (1945 – 1989), cujo advento ressaltou o recurso ao combate efetivo e fulminante à “ameaça comunista” e tornou irrevogável o enfrentamento entre as duas superpotências. É a partir de então que os Estados Unidos passaram a ver a América Latina como região estratégica para a difusão dos projetos políticos e ideológicos de propagação do modelo de Segurança Nacional cujo pressuposto fundamental nesta região do mundo consistia no combate aos movimentos sociais protagonizados pela classe trabalhadora que despontavam como focos de desobediência popular.
A prioridade do Estado de Segurança Nacional seria o controle, perseguição e eliminação de todos aqueles que, de alguma maneira, representassem uma ameaça à “segurança interna” do país, tanto por suas ações quanto por sua maneira de pensar. A perspectiva de “segurança interna” fundamentada na Doutrina de Segurança Nacional (DSN) compreendia que todas as manifestações (políticas, econômicas, artísticas, sociais etc.) divergentes do Estado de Segurança Nacional deveriam ser vistas como atos subversivos. Mas, ao mesmo tempo, de segurança pública, em uma perspectiva não ideológica. Dessa maneira, a atuação da Polícia Militar se fazia importantíssima, tanto na preservação dos interesses do Estado de Segurança Nacional, quanto na preservação da ordem pública.
Tais ações e pensamentos divergentes eram influenciados por um “inimigo externo”: o comunismo. Ainda que não o fossem eram tidos como se fossem. E que, sendo essa uma guerra invisível e não declarada, o “inimigo interno” estaria em todos os lugares sob todas as formas, dentro do território nacional. Diante desse quadro, todos os cidadãos se tornam suspeitos de compactuarem com o comunismo e seu projeto de poder. Na perspectiva da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), a realidade social assume a configuração de uma guerra e em uma guerra ações excepcionais e, talvez, extremas se justificam, são toleradas e até necessárias.
O trabalho de produção do “inimigo interno” se processou a partir do Estado de Segurança Nacional que, além de desconstruir as bases fundamentais da soberania popular e da constitucionalidade desde o próprio ato golpista de 1964, montou também um enorme arcabouço jurídico e institucional autoritário que viabilizasse no campo do Direito Penal a criminalização e o combate a todas as manifestações políticas “subversivas” oriundas da sociedade brasileira. Inúmeros movimentos sociais, entidades de classe e partidos políticos passaram a ser vistos à luz do Direito Penal como criminosas e passaram a ser tratadas como tais.
Visto que o processo de transição do Estado de Segurança Nacional para o regime democrático não se deu de maneira plena e completa, ele acabou permitindo a presença de diversos traços característicos da estrutura autoritária ditatorial que se espalharam por todos os níveis da sociedade brasileira, sobretudo no tocante ao âmbito da Segurança Pública e principalmente no que se refere à manutenção do controle jurídico-institucional da Polícia Militar pelo Exército e das práticas repressivas de preservação da “segurança interna” e combate ao “inimigo interno”, além da preservação da relação entre civis e militares.
Nesse sentido, é fundamental tomarmos a data de hoje como elemento essencial para investigar de que maneira se deu o processo de transição do Estado de Segurança Nacional para o regime democrático no que se refere especificamente ao processo de inclusão dos princípios básicos da Segurança Pública na Constituição Federal de 1988 e qual o tratamento dado tanto à Polícia quanto ao Corpo de Bombeiros Militar.

Doutorando e mestre em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública

Maranhão 2050: para onde, para quando?

Lendo o artigo do colega aqui do lado, fiz aquele velho mergulho na História (talvez nas trevas) pra tentar compreender o significado de o que seria um “Maranhão 2050”. Mas nem voltei muito, só uns 100 anos (imaginando o período de 1950 a 2050). E por que esse período? Pela recente promessa de um Maranhão desenvolvimentista para 2050.

Que projeto trilha o Brasil (e o Maranhão, que está na mesma pororoca)? Aquele iniciado nos anos 1950, de cunho “desenvolvimentista” (vamos colocar aspas, porque o termo desenvolvimentista pode ser bem repensado).  Aquele mesmo projeto que se sentiu ameaçado pela reforma agrária de Joao Goulart, as famigeradas “reformas de base”.

Era um plano de empresários e industriais que passaram a mandar num Brasil de coronéis que se diluía (o Maranhão nem tanto). E esse plano envolvia dinheiro para esse grupo. Não envolvia nada coletivo, que beneficiasse a população carente como projeto de educação, saúde, muito menos de necessidades básicas, como moradia, saúde pública, ou vacinação, por exemplo. Era o início de um projeto multinacional, de mercado aberto.

Esse projeto se viu ameaçado quando o maluco do Jânio Quadros trocou os pés e João Goulart assumiu o governo do Brasil. A onda hegemônica e neurastênica anticomunista norte-americana estava a todo vapor, financiando golpes militares a torto e a direito, principalmente na América Latina. Foi fácil reunir o poder armado militar e o poder financeiro empresarial. Pronto! Tá feito o golpe de estado antidemocrático de 1964. Esquece-se a reforma agrária e financia-se o empresariado estabelecido.

Eleições de 1965 e o Maranhão

Nas eleições de 1965, foi eleito governador do Maranhão, pela ARENA (o partido do golpe militar) o jovem deputado federal José Sarney, queridinho do presidente golpista general Castelo Branco: “Deputado a sua eleição foi um dos fatos políticos que mais me sensibilizaram até hoje. Fique certo de que o Maranhão receberá toda a assistência do Governo Federal, eu quero colaborar decisivamente com seu governo”, matéria do Jornal O Imparcial de 24 de outubro de 1965.

Junto com Sarney, foram eleitos dois senadores, também da ARENA: Clodomir Millet e Eugênio de Barros; e Antônio de Moraes Correia, pelo MDB (partido de oposição). Dos deputados federais (eram 16, na época), 13 eram da ARENA e apenas 3 do MDB (dois deles seriam cassados pelo AI5).

Em 1965 a Assembleia legislativa era composta por 40 deputados estaduais. A ARENA elegeu 31 (entre eles Carlos Orleans Brandão, pai do atual governador do estado) e o MDB elegeu 9 deputados estaduais.

Mais um detalhe, o grande adversário derrotado por Sarney, na época era o Vitorino Freire (oligarca de anos, mandando no estado); Vitorino também se filiou à ARENA, tornando-se correligionário do principal adversário, que acabou com uma eternidade de seus mandos no estado. Parece até a piada pronta de que “às vezes é preciso mudar tudo, para tudo permaneça igual”.

O golpe militar, que foi um golpe civil-militar, levou milicos para a presidência, mas também levou todos os gestores desenvolvimentistas do empresariado para os mais altos cargos da república, onde retomaram o projeto de financiamento do empresariado brasileiro, deixando o povo na miséria e no analfabetismo.

No Maranhão, Sarney se tornou o comandante da nova oligarquia (ah, não é mais!) e financiador político do projeto da ditadura que continuava o projeto dos anos 1950, sempre apoiado pelo grupo conservador que atuava nos legislativos, quase todos da ARENA e apoiadores do golpe, da ditadura, dos atos antidemocráticos e silenciados sobre todas as atrocidades cometidas nos anos de chumbo.

E assim foi, até o governo Fernando Henrique Cardoso (apesar dos pesares) iniciar um processo de inclusão da população pobre no projeto nacional. Agora esse projeto (de Estado!) pensa o Maranhão pelos próximos 27 anos. Que bonito! Parece que agora vai. A não ser que cortem a curica de Lula, como cortaram a de Dilma e o Maranhão 2050 siga até lá com as commodities, o agronegócio e alguns poucos mandatários ou desmandatários vivendo nababescamente à custa do erário.

Cenas dos próximos capítulos

O Governo Lula dá novo impulso ao processo de inclusão social no país. Sarney dá nova volta por cima e continua voz unânime na política nacional.