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Criminosos da História: Casa da mãe, o refúgio seguro (?)

No dia 16/01/1935, homens do FBI realizaram um cerco na pequena cabana às margens do Lago Weir, na região de Ocklawaha (Flórida). O alvo do cerco era o último integrante ainda vivo e em liberdade, do bando Barker-Karpis.

Desde os anos 20 o bando cometia assaltos e assassinatos em diversos estados, mas a partir da década de 1930 entrou para lista dos “famigerados inimigos públicos”, o que muito lhe orgulhava. Os integrantes do bando estavam presos ou mortos, exceto Fred Barker que havia se escondido na cabana de sua mãe, Kate Barker (conhecida também como Ma Barker). A casa da mãe era sempre o refúgio seguro para onde Fred e seus irmãos (também integrantes do bando Barker-Karpis) sempre retornavam após seus crimes.

Ma Barker já estava com mais de 60 anos de idade e sua aparência mais lembrava uma matrona que uma perigosa criminosa, mas para J. Edgar Hoover e boa parte da imprensa sensacionalista, que precisava de uma matéria com roteiro cinematográfico, ela era o “cérebro” por trás dos crimes do bando Barker-Karpis. É fato que as aparências enganam. Porém, não há provas concretas do envolvimento concreto da Ma Barker nos crimes cometidos por Fred e seu bando. É fato também que sempre defendeu com todas as forças seus filhos (que mãe não faria isso?). Por vezes, Ma Baker recebia os policiais que batiam à sua porta com biscoitos e leite. Outras, alegava ter sido abandonada por eles e que há muito não os via.

Diga-se de passagem que Hoover utilizava diversas artimanhas, desculpem o vício de linguagem, para incriminar pessoas indiscriminadamente. E para isso, entre outras coisas, difundia informações falsas sobre suspeitos na imprensa. Tudo isso para justificar e obter apoio popular e midiático para as ações extremamente violentas e abusivas praticadas pelo FBI, nos anos da “Grande Depressão”. Sob o argumento de combater o crime valia tudo.

Voltando à cabana do Lago Weir. Pressentindo a chegada da polícia Fred Barker armou-se com dois revólveres Colt e um rifle. Ao chegarem, os agentes do FBI, acompanhados da polícia local, fizeram a abordagem de rotina, exigindo que ele se entregasse e coisas do tipo. Fred sabia que não havia chances dele sair de lá com vida. Tampouco, sua mãe, cujos cartazes de “procura-se” rodavam o país e as notícias do seu “perverso cérebro criminoso que corrompeu os filhos” já havia invadido os “lares” da burguesia estadunidense.

Após intensa troca de tiros mãe e filho foram fuzilados por mais 150 projéteis de rifles, metralhadoras e revólveres. Nas mãos de Ma Baker estava um rifle de caça, provavelmente plantado pela polícia para justificar sua morte alegando resistência à prisão.

A imprensa deleitou-se com o desfecho trágico de Ma Barker e seu filho Fred. Vendeu-se jornais à rodo. As classes trabalhadoras mais humildes temiam que seus filhos se tornassem mais um Fred Barker nas mãos da polícia ou do FBI. A burguesia aplaudia a morte de mais dois “malditos facínoras”.

Ladrões, gângsteres, assassinos e criminosos de todos os tipos têm sido um elemento básico do entretenimento popular. Não foi só a imprensa que beneficiou-se do Barker. A música também. O grupo alemão Boney M gravou uma música chamada Ma Baker (soava musicalmente melhor que Barker), em que narra de forma enviesada a “saga” dos Bakers. Até as HQs também têm seus personagens inspirados nos Barker. Batman enfrentou a vilã Ma Parker, nos anos 60; os Irmãos Metralha ganharam uma “Mãe Metralha”, inspirada em Ma Barker.

Hoje em dia as narrativas de crimes misteriosos, sangrentos ou em série, assim como as peripécias de criminosos épicos, fazem muito sucesso e são muito provavelmente o produto mais lucrativo de inúmeros podcasts e plataformas de streaming que de forma superficial, fantástica e com muito tom sensacionalista faturam alto com esse agenciamento narrativo.

Sigamos, então, saciando nossa sede quase primitiva por violência, criminosos e crimes que nos fascinem e horrorizem, mas também, de certa forma, nos aproximem de nossa verve perversa e sádica que sente prazer em ver o sofrimento e a dor do outro.

“Treino difícil, combate fácil”: a importância das técnicas na formação profissional

Longe de mim estabelecer alguma relação, por menor que seja, entre a docência e o trabalho policial. Entretanto, preciso fazê-lo (guardadas as devidas proporções) para promover essa análise.

Tanto o exercício da docência quanto o trabalho policial são submetidos a técnicas que norteiam seus respectivos praticantes.

O docente que frequentou o curso de Licenciatura estuda Didática, Psicologia da Educação, Estrutura e Funcionamento do ensino e realiza um estágio supervisionado.

O policial durante o Curso de Formação de Soldados (CFSd) também aprende os procedimentos técnicos do seu ofício. O currículo do CFSd da PMMA é constituído por 38 disciplinas, dentre elas: Teoria Geral da Segurança Pública, disciplinas que envolvem conhecimento jurídico como, direito penal e Processual Penal, Direitos Humanos e disciplinas que envolvem Técnica Policial, como, Técnicas de Abordagem Policial, Policiamento Comunitário, Defesa Pessoal e tiro Policial. Os alunos são constantemente submetidos a avaliações teóricas e práticas. Além das disciplinas técnicas da atividade policial e Direito, a grade curricular conta com disciplinas como resgate e prontosocorrismo, libras e de direitos humanos, além de princípios de cidadania com base na filosofia de respeito à vida, à integridade física e à dignidade da pessoa humana. (fonte: www.pm.ma.gov.br).

Não nos interessam as minúcias dessas formações (docente e policial), suas falhas e equívocos​. O que importa é que elas são o pré-requisito para o exercício da profissão. Subentende-se que ao passar pelo curso ambos terão plenas condições de encarar uma sala de aula (no caso do docente) e uma operação de policiamento preventivo/ostensivo (no caso do PM).

Partindo desse princípio afirmo que o docente tem a obrigação de aplicar as ferramentas técnicas aprendidas e, supostamente, apreendidas por ele ao longo da sua formação e de sua carreira. O docente deve sempre ponderar qual a melhor estratégia de abordagem de um determinado eixo temático, sempre com base nos pressupostos acadêmicos do seu ofício. Na compreensão dos processos cognitivos de aprendizagem ele deverá aplicar o conhecimento adquirido em Psicologia da Educação. Na Didática, ele busca a melhor maneira de promover a transposição. Sempre entendendo que sua ação docente não pode ser improvisada. Ao contrário, deve ser planejada, passo a passo com o propósito de alcançar um objetivo pré-estabelecido.

É possível professores que utilizam a arte do improviso serem bem sucedidos em suas ações pedagógicas? Sim. Mas, uma hora o improviso não funciona mais. É possível, a despeito das técnicas pedagógicas, o trabalho docente ser eficiente e de boa qualidade? Tenho dúvidas. As técnicas existem para prever toda a intencionalidade do fazer pedagógico ou docente. Seguindo-as a certeza de sucesso é garantida.

Da mesma maneira é o trabalho policial. Todas as técnicas aprendidas e, supostamente, apreendidas durante o curso se forem bem aplicadas, garantem o sucesso de toda e qualquer ação.

É pouco provável e inadmissível alguém que em sua formação tenha sido instruído nos princípios do respeito à vida, à integridade física e à dignidade humana não consiga gerenciar o risco de trocar tiros de fuzil em plena via pública com quem quer que seja sob o risco de atingir um inocente. Ou ainda, não consiga mensurar os danos causados pelo uso inadequado do que convencionalmente é conhecido como “uso progressivo da força” contra alguém notadamente em surto psicótico.

Não sou profundo conhecedor de procedimentos técnicos de operações de combate urbano. Mas, da mesma maneira que o docente tem a obrigação de mediar conflitos em sala de aula de forma que os danos sejam nulos, o policial tem o dever, em primeiro lugar, pensar em proteger e depois em exercitar a “guerra” e matar. Para tanto, é primordial o pleno domínio da utilização e aplicação de técnicas, tecnologias, armas, munições e equipamentos não-letais em atuações policiais. Assim, o policial deve utilizar todos os recursos disponíveis e possíveis para preservar a vida de todos os envolvidos numa ocorrência policial, antes do uso da força letal. Em tempo. Os equipamentos não-letais são aqueles que, mesmo não classificados como armas, foram desenvolvidos com a finalidade de preservar vidas, durante atuação policial ou militar, inclusive os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s).

Ora, se não for dessa maneira para que servem as técnicas, os cursos de formação e capacitação? Se o fim da atividade docente é o aluno, o fim da atividade policial é a preservação da vida e da sociedade.

 

Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública.