É fato que a PM, institucionalmente, sempre flertou – e muitas vezes namorou e casou – com o autoritarismo político. Por isso, no Estado Novo (1937-1945) ela foi “varguista”, na fase mais aguda da Ditadura Civil-militar (1968-1974), foi “medicista” e agora é “bolsonarista”. E com certeza, no futuro, seguirá os “valores exóticos” de outro líder autoritário.
Entretanto, e é essa a reflexão a ser feita, a adesão ao bolsonarismo não implica na adesão ao golpismo bolsonarista. O que é outra coisa. O problema é que a parcela golpista da tropa é bastante numerosa e radicalizada, chegando ao cúmulo de defender publicamente nas redes sociais atos antidemocráticos. Os atos golpistas ocorridos em Brasília que culminaram no maior atentado já praticado às instituições democráticas brasileiras assustaram, mas não surpreenderam ninguém, pela omissão, no mínimo, das forças de segurança pública do Distrito Federal. Omissão esta que envolveu desde a SSP-DF, passando pelo comandante-geral da PM, oficiais, chegando até às praças.
Por que afirmo que nada disso surpreende? Ora, desde 2021, o então presidente Bolsonaro já evidenciava sua verve golpista, incitando seus seguidores a abraçarem o caos.
Paralelamente, a violência política praticada por policiais militares cresceu em todo o país. Usar um adesivo em seu carro particular com os dizeres “Bolsonaro genocida” tornou-se argumento para que um policial militar do Goiás detivesse um professor por violar a caduca Lei de Segurança Nacional, lá dos tempos da finada Ditadura Civil-militar (1964-1985).
Seria cômico se não fosse trágico, mas nem é de competência da PM realizar esse tipo de abordagem. Outro caso ocorreu em Pernambuco, quando a tropa de choque reprimiu de forma desmedidamente violenta uma manifestação popular pacífica contra Bolsonaro. O resultado dessa barbárie foi que dois transeuntes foram alvejados nos olhos tendo sequelas graves. Em ambos ficou evidente o conteúdo ideológico que impregna as PMs. No Goiás houve o temporário afastamento do pm; em Pernambuco foi aberta uma investigação.
Aqui no Maranhão o bolsonarismo golpista não chegou a “se criar” por que o ex-governador Flávio Dino adotou duas de suas clássicas estratégias: a cooptação das lideranças policiais radicais de extrema-direita, através de promoções e distribuição de cargos. E a outra estratégia foi a perseguição, exonerando, transferindo, silenciando politicamente.
Uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançada em agosto de 2020 em parceria com a Decode, mostrou que o alinhamento ao discurso do bolsonarismo antidemocrático e golpista que apoia o fechamento do Congresso e/ou prisão de ministros do STF englobava ao menos 12% de policiais militares, 7% de policiais civis e 2% de policiais federais que possuem perfis nas redes sociais e atuam publicamente em grupos e páginas do Facebook.
Os números captados nas redes sociais pelo FBSP são semelhantes aos alcançados pelo instituto de pesquisa de opinião Atlas, que aplicou em abril de 2021 um survey especificamente junto à classe policial. Nessa pesquisa, 21% dos policiais brasileiros (27% dos policiais militares) declararam que são a favor da instalação de uma ditadura militar no Brasil. Tal percentual representava àquela altura uma força bruta armada e sedenta de cerca de 120 e 140 mil policiais adeptos dos bolsonarismo golpista e antidemocrático.
Portanto, apesar de tudo não é possível afirmar que exista uma relação direta entre uma polícia bolsonarista e uma polícia golpista. Estabelecer tal relação é leviana e indevida. Existem freios regulamentares e institucionais que possam até permitir a presença do bolsonarismo dentro das polícias sem que sua vertente golpista se consolide ainda mais.
Se não houver o aperfeiçoamento dos instrumentos de monitoramento e controle interno e externo da atividade policial (MP, ouvidorias, corregedorias…sociedade civil…) e punições severas, os atos de negligência, prevaricação, leniência, desobediência hierárquica, omissão e violência política praticados por agentes de segurança públicos, continuarão ocorrendo.
Paulo Henrique Matos de Jesus é doutorando, mestre e graduado em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública
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