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A cidade amanhece sem água, sem ônibus, sem governo e nunca terá

A cidade amanhece sem água, sem ônibus, sem governo e nunca terá

Parece problema de meados do século XX, de uma república de bananas qualquer encravada na imensidão selvagem da América do Sul… Roteiro de filme irresponsável, como um sem percentagem das produções roliudianas. Ou a São Luís do século 19 quando Ana Jansen manipulava a distribuição de água na capital Timbira, feita sob carroças puxadas por cavalos ou bois…

“Mudaram as estações, nada mudou”… outro roteiro de música ingênua de Renato Russo cabendo na nossa capital de mais de um milhão de habitantes, onde os princípios ainda se firmam em costumes (?) monárquicos de séculos passados.

A única coisa que parece transcorrer na hipermodernidade, ou modernidade líquida é que as notícias pipocam nas redes sociais: grupos de porteiros, supervisores ou de síndicos, que anunciam mais um desespero na chegada ao trabalho, uma vez que não tem transporte coletivo das “cidades dormitórios” que fornecem profissionais para a “corte”, mas também não chegou a água do “dia de sim” e as cisternas estão vazias…

“E ainda assim, ela gira”… mesmo que nos grupos de jornalismo, de blogueiros nada, ou quase nada se fale, porque a greve é de responsabilidade do governo do estado.  Transporte semiurbano da famigerada MOB, a água da famigerada CAEMA e tantos famigerados…

Resta vir um magistrado com sua “varinha mágica” e decretar a greve: ilegal (mas é de responsabilidade do governo!!!! – mas vai sobrar para o sindicato! rsrsrsrs), e, pronto! “missão cumprida!”.

Enquanto isso na “fundição do jeitinho”, se forja um, quer dizer, constrói-se uma legislação para nomear parentes, homenagear cretinos ou impedir piercing e tatuagem em cachorros (que cagam e mijam a cidade inteira), ou pra dar passagem de graça para “cegos em quartos escuros, procurando gatos pretos que não estão lá”, embora o transporte esteja paralisado porque “nãoseiquem disse que pagou, mas nãoseiquem disse não recebeu e nãoseiquem resolveu parar da noite para o dia e a generalidade de trabalhadores, empresários e todo mundo que se foda.

Mas a construção da justiça e da dignidade humana, não. Definitivamente, não! Isso é com a torcida. Água, transporte coletivo, limpeza urbana, sustentabilidade, cidadania: só arrumando um “bando de macho, com testosterona” para resolver isso na bala, no chute e no grito. Né, Coronel?!

P.S: A última frase contem ironia.

A greve no transporte é um tijolo com o qual podemos construir uma solução ou jogar pela janela

“As forças repressivas não impedem as pessoas de se expressarem, mas as forçam a se expressar. Que alívio não ter nada a dizer, o direito de não dizer nada, porque só assim há chance de enquadrar o raro, ou cada vez mais raro, o que vale a pena dizer”. (Deleuze)

 

O filósofo Gilles Deleuze escreveu que a “Filosofia, lança-nos todos em negociações constantes com, e uma campanha guerrilheira contra, nós mesmos”. Uma dessa campanhas é eleger os nossos verdugos. Hoje mesmo li um tecido de elogios a um já falecido que a história mostra tão cínico quanto os encarnados.

E, apesar do recurso filosófico, nada mais falo do que dos políticos, poderiam ser todos, mas hoje vai em especial para os executivos, mais precisamente para o prefeito. Isso mesmo por causa da tortura imposta aos trabalhadores, estudantes, doentes, desempregados, e até aos empresários que arcam com uma boa parcela do custo de uma greve de transporte coletivo.

Deleuze continua que “Por baixo de toda a razão está o delírio e a deriva”. Uma eleição começa com dois delírios: as promessas infames dos candidatos e a crença nelas pelo eleitor. A deriva é uma só: a que lança todos ao esquecimento, ao desprezo, à infâmia, em suma, ao terror do abandono; a exemplo desta, em menos de 4 anos, quinta greve do transporte coletivo, que é usado por mais de 70% da população.

Os insulares prosperam na miséria. Sendo vítimas de todos os açoites. Tudo de ruim sobra para a população, embora esta carregue como única culpa a escolha de suas quimeras, resultado da crença em profetas, salvadores, demiurgos, uma fé cega contra uma espada afiada.

Para finalizar ainda com Deleuze, “Um conceito é um tijolo. Pode ser usado para construir um tribunal da razão. Ou pode ser jogado pela janela”. Mas o eleitor não escolhe a construção da razão nem jogar o tijolo-conceito pela janela, antes disso, prefere repetir os seus erros constantes, ou, escolher coisa pior, ou, ainda: comer o tijolo.

Maranhão ocupa a 1ª posição entre os estados nordestinos com maior ocorrência de latrocínios

A categoria de análise chamada de mortes violentas intencionais (MVI) é composta pelas seguintes subcategorias: homicídio doloso, latrocínio, feminicídio, agressão seguida de morte e morte decorrente de intervenção policial.

Conforme o portal do MJSP, através do SINESP (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública) o Maranhão ocupa, em números absolutos, a 4° posição entre os estados com maior ocorrência de MVI do Nordeste. Por outro lado, observando a taxa por 100k hab (método de observação mais adequado) o estado possui a 2ª menor da região (21,1), entre os meses de jan/out de 2023, apresentando uma redução de 4,55% em comparação com o mesmo período de 2022. Mesmo assim com uma taxa acima da média nacional (17,89).

Ao analisarmos as subcategorias separadamente vemos que as taxas de homicídios dolosos (19,19) aumentaram 0,65%, colocando o Maranhão na 4ª posição no NE. A taxa de feminicídio (0,57) diminuiu 32,79%, mas também acima da média nacional (0,54). Foram 41 feminicídios no período registrado. Mas, é importante destacar que no mesmo período 67 mulheres foram vítimas de homicídio doloso e a cada ano mais mulheres são assassinadas. Aqui vemos um problema metodológico, mas também de dificuldade de qualificar o assassinato de mulheres como feminicídio.

O latrocínio, que é o roubo seguido de morte, cuja taxa é de 0,69, coloca o Maranhão na desagradável condição de 1° lugar no NE e 6° no Brasil nessa subcategoria. Apesar de ter havido uma redução de um pouco mais de 38% em comparação com 2022.

As elevadas taxas de homicídios dolosos e latrocínios confirmam o quanto o ano de 2023 foi problemático – dizendo o mínimo – em relação à gestão da segurança pública no Maranhão. Um ano durante o qual o Maranhão se destacou por ter Caxias entre as 50 cidades mais violentas do Brasil e Junco do Maranhão como uma das 15 mais violentas da Amazônia Legal. Também foi um ano em que várias vezes a SSPMA não forneceu dados importantes sobre a raça das vítimas de MVI e não tabulou também os crimes de ódio, deixando claro seu desprezo pelas bases de dados produzidas por diversos institutos de pesquisa.

A produção de dados não é trivial, uma vez que eles são fundamentais para os processos político-administrativos de resolução de problemas. Tais processos são racionalizados por analistas e gestores de políticas públicas em etapas que configuram aquilo que chamamos de ciclos de políticas públicas, constituídos por fases de: 1) identificação de problemas; 2) definição de agendas políticas; 3) formulação de políticas; 4) implementação de políticas; e 5) avaliação e monitoramento de políticas. Quais problemas são prioritários e dignos de inclusão na agenda político-administrativa? De que forma devem ser tratados? Quais tratamentos aplicados foram eficazes e devem ser replicados? Quais devem ser abandonados? A produção de dados se faz necessária para responder a cada uma dessas perguntas, sendo definidora do processo de produção e por consequência, do resultado dos ciclos de políticas públicas.

O Telejornal Jornal da Guará encerra uma jornada de 12 anos

Ontem, dia 9 de janeiro, a cena do “último Jornal da Guará”, protagonizados pelos jornalistas Hugo Reis e Marcus Saldanha formou um suspiro para além do bem e do mal (aquele paciente terminal que agoniza e causa sentimentos contrastantes, mas plenos de puro amor…). Assim foi a despedida dos jornalistas responsáveis pelo telejornal e suas nuances políticas, muitas consagradas na respectiva seara, do nosso idiossincrático estado.

 

No fim, tudo acaba; poético e tautológico, como a vida e o ser (aquilo que ” é e não pode não ser”). Nos descaminhos de nomear o mundo, os processos de ruína são tão líquidos como a sociedade baumaniana.

A Emissora nasceu como um sonho de Wonka de Roberto Albuquerque, empresário curtido no ambiente escaldante e apaixonado pela interação social tradicional maranhense. Ali, um embrião apareceu e foi crescendo até se tornar um ser inquieto e impertinente.

Foi ousada nas eleições de 2014 fugindo do padrão local de ser terremoto de um lado, calmaria de outro, embora tivesse uma linha editorial clara e equilibrada.

Às vezes os conservadores são mais seguros que os revolucionários. E revolucionários tem uma balança muito delicada, quase quântica, e, certamente, assentada na relatividade, onde um mero “bóson” descoberto, muda de lugar como mágica. As novas reações, incertas e cobertas de temperatura, pressão, catalisadores e etc e tal, levam a um composto dinâmico, onde o ser, deixa de ser. Viu, Seu Parmênides?!

E assim, a TV Guará resistiu depois de 2014, de 2016, de 2018, foi guerreira depois de 2020 e , com seu pequeno porte, sua humildade, sua alteridade, deixou uma marca única na Televisão maranhense: foi criativa, inclusiva e sobretudo INDEPENDENTE & LIVRE, o que causa pavor nos arrogantes e nos mal intencionados.

A TV Guará foi uma emissora guerreira enquanto foi independente. Seus estertores não representam sua trajetória.

Roger Waters X Flávio Dino e a criminalização da crítica

Esta semana o advogado Ary Bergher, vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), entrou com uma ação contra o cantor Roger Waters para que ele seja impedido de ingressar no país e realizar shows em território nacional.

A alegação seria apologia ao nazismo baseada na polêmica criada por autoridades alemãs um show no dia 17 de maio onde o fundador do Pink Floid usa um figurino e performance teatral nas músicas “In the  Flesh” e “Run Like Hell”, duas letras ácidas que criticam ferozmente regimes totalitários como o fascismo e próprio nazismo. Vale ressaltar que Roger Waters é judeu, teve o pai assassinado por nazistas durante a segunda guerra mundial, além de que ele já faz essa performance há décadas em seus shows.

Outro detalhe mais importante é que durante esse trecho do show é exibido no telão fotos de vitimas desses regimes autoritários como Anne Frank e Shireen Abu Akleh, jornalista palestino-americana da Al Jazeera que morreu em uma operação israelense há pouco mais de um ano.

 

E Foi nesse último que Roger Waters tocou na ferida do Estado Israelense, Estado esse que também é sionista e massacra há décadas os palestinos na faixa de Gaza com apoio total dos EUA e dezenas de países aliados, inclusive o Brasil do passado recente onde o inominável  ex presidente flertava frequentemente com o fascismo e a extrema direita alemã, mas nem essa aproximação com descendentes diretos de nazistas que participaram do holocausto foi capaz de fazer o sionista Ary Bergher deixar de idolatrar o mitômano brasileiro.

Alguns países estão adotando o argumento de que a critica seria uma espécie de apologia com argumentos contraditórios e sem sustentação cientifica. Sem me alongar deixo perguntas como forma de reflexão, o que vamos fazer com a memória de Charles Chaplin e o seu eterno o grande ditador? Vamos apagá-lo da história sem chance de defesa? Vamos execrar Steven Spilberg por ter feito o brilhante filme A lista de Schindler?

Como no Brasil tudo se copia e o pior, sem adaptações. Todo cuidado é pouco para Flávio Dino,             que pode ter sido levado para uma sinuca de bico embaraçosa onde diferente de Robinho e Daniel Alves, Roger Waters tem uma carreira irretocável e sempre atuou do lado certo da história.

Mais de 30 anos de greve no transporte coletivo de São Luís: quem são os culpados?

A vida humana tá sempre em busca de “quem é o culpado” por toda e qualquer desgraça do mundo. Não é diferente com a greve do transporte coletivo. “Rodoviários não cumprem determinação da Justiça e greve…” é apenas um dos títulos que li na manhã desta quarta-feira (26). Só no período que cubro e uso o sistema de transporte coletivo, são 35 anos de recorrência do mesmo problema.

Cumprindo suas características escravagistas, coronelistas e oligárquicas o Maranhão segue com sua chibata no lombo do povo trabalhador. Ocasionalmente, nos inúmeros ao vivo que acompanhei, onde vários usuários desesperados opinaram, nenhum culpou os motoristas e demais servidores do sistema de transporte. Ao contrário, as críticas foram todas direcionadas aos gestores políticos.

No governo do prefeito Edivaldo Jr. acompanhamos aquele engodo de licitação do transporte coletivo. Onde botaram uma roupa nova num defunto, para que parecesse um jovem saudável. Tudo mentira! As mesmas empresas, a mesma qualidade, a mesma precariedade, tudo igual; nada mudou. Até os poucos ônibus com ar condicionado que apareceram, acharam uma desculpa para não usar (a pandemia).

Mas para a justiça e alguns outros, quem tem que ser penalizado é o trabalhador. A greve é “considerada ilegal”. Enfim, só falta a chibata para obrigar os trabalhadores a trabalhar sem condição e sem reposição salarial, para fornecer um transporte coletivo sem nenhuma dignidade e com os mesmos preços praticados em todas as grandes cidades do país, inclusive as que oferecem um transporte decente.

Acabou o direito de greve? A solução correta é a solução banal (na canetada)? Os poderes públicos estaduais e municipais ficarão sentados observando o sofrimento da população e absolutamente todos os serviços da cidade sendo amargamente penalizados pela incapacidade de os trabalhadores se deslocarem para seus postos?

Mas os culpados são os trabalhadores do sistema de transporte que não querem trabalhar sob condições amargas e com salários, tickets alimentação e planos de saúde atrasados e/ou defasados…

Entre os empresários do transporte coletivo, os poderes estadual e municipal e os trabalhadores do sistema, os dois primeiros não cumprem suas obrigações e os últimos exercem o seu direito constitucional.

Sobra o usuário, o único penalizado com tudo isso.

E por trás dessa situação há uma grande teia política que encobre como névoa ácida todo o sofrimento do povo. Uma teia que mira o desgaste de alguns agentes políticos e promoção de outros. Mais uma vez o povo é tratado como gado, massa de manobra, boi de piranha, que não merece nenhum respeito, desde que siga indignado com o que os sistemas de comunicação mais forte for capaz de propor.

A foto que ilustra esta matéria foi feita por mim entre 1988/1989, num breve período em que passei pelo Jornal O Imparcial e cobri, então, uma greve de ônibus, ou seja um sistema que vem gerando os mesmo problemas há mais de 30 anos.

O resto é poeira para, depois de conseguidos os resultados, ser varrida para baixo do tapete, como, por exemplo, a licitação do transporte coletivo feita pelo prefeito Edivaldo Jr e que não mudou nada. Quem são os culpados?

Mistérios de São Luís: a morte do Joalheiro Galleotti

São Luís se autointitula como “uma cidade cheia de lendas e mistérios”. Alguns desses “mistérios” se eternizaram no imaginário popular, enquanto outros nem tanto. Como exemplo destes “mistérios” esquecidos temos a morte do Joalheiro Galeotti/Galleotti.

A cidade ainda avaliava os estragos provocados pela chuva torrencial da noite anterior quando a imprensa noticiou a descoberta do cadáver do conhecido joalheiro e dono da ótica e joalheria “Pêndula Maranhão” (Rua Oswaldo Cruz, n° 23). O corpo do joalheiro Galeotti/Galleotti, que morava em uma casa simples situada à Travessa 5 de outubro, no Centro da cidade, fora encontrado na cama, enforcado com o próprio cinto, por seu sócio, Pedro Mojoli.

A polícia incialmente tratou o caso como suicídio, mas por pressão dos periódicos locais, que levantavam dúvidas sobre essa linha investigativa, passou a tratá-lo como homicídio e o primeiro a ser indicado como suspeito foi Pedro Mojoli.

Foram 3 anos entre idas e vindas. Interrogatórios; confissões sob tortura; anulação da confissão porque foi feita sob tortura; prisão preventiva; habeas corpus; “bate-boca”, através da imprensa, entre o chefe de polícia, promotor de justiça, defesa, jornalistas; marcação e adiamento do julgamento; remarcação, realização e anulação do julgamento. Os jornais aliados ao governador Godofredo Viana elogiavam o “meticuloso trabalho de investigação policial acompanhado de perto pelo nosso excelente governador”. Já os de oposição chamavam as hipóteses levantadas pela polícia de “um claro esforço de ‘sherloquismo’ amador” e exortava a necessidade de modernização e profissionalização urgente da atividade policial e do trabalho legista no Maranhão.

Em 1927, Pedro Mojoli foi julgado e considerado inocente pelo Tribunal do Juri. Não houve recurso por parte da promotoria. O caso foi arquivado e até hoje, 100 anos depois, a misteriosa morte do joalheiro Galeotti/Galleotti continua sem solução.

Na foto 1, retirada do jornal Folha do Povo (20/09/1924), Pedro Mojoli é chamado de “criminoso”, antes mesmo do seu julgamento ou de qualquer condenação.

Na foto 2, print dos autos do processo, nota-se que as perguntas feitas ao juri já indicam claramente a intenção de condenar o réu, Pedro Mojoli.

Fontes:

Periódicos: Folha do Povo, Diário de São Luiz e Pacotilha

Judiciais: autos do processo do caso Galeotti/Galleotti (Arquivo Judiciário).

Os Tiradentes e Jebediahs da vida

Executado a 21 de abril de 1792, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, era um típico brasileiro que devido sua descendência portuguesa ingressou na tropa de linha como alferes (equivalente a 2° tenente) da 6.ª Companhia de Dragões da Capitania de Minas Gerais. Como ainda hoje é comum, Tiradentes exercia ao mesmo tempo a função militar e outras atividades: tropeiro, comerciante, minerador, contrabandista. E também tinha lá suas ambições pessoais. Não era rico, mas não era nenhum miserável. O inventário de seus bens revelou que ele era proprietário de 43 jazidas de ouro e de alguma escravaria. Sua insatisfação com o governo vinha do fato de ter sido preterido para o cargo de Comandante do destacamento da Serra da Mantiqueira. Era por essa serra que o ouro de Minas Gerais chegava até São Paulo. Logo, sendo comandante militar da região, ele poderia contrabandear algum ouro em benefício próprio.

O alferes Joaquim foi executado pelo crime de alta traição e lesa-majestade; foi o único entre os inconfidentes a ser executado não por ser o mais pobre, mas por ser militar e ter assumido toda a culpa pela conspiração. Foi esquartejado, teve o terreno de sua casa salgado, excomungado, bens confiscados, “infâmia para seus descendentes” (constam nos autos). Foi tratado como pária desde então e assim o foi por todo o restante do Período Colonial e da Monarquia. Todavia, a Proclamação da República viria redimir “nosso herói”. Necessitava-se de um símbolo que representasse os princípios republicanos e militares e eis que Tiradentes é alçado do subterrâneo da experiência histórica brasileira para os “píncaros da glória” (Vicente Celestino). Lisa Simpson ao descobrir a verdadeira história de Jebediah Springfield e tentada a revelá-la a todos parou e disse: “Os mitos são importantes. São eles que mantém a esperança das pessoas e que durante as adversidades são evocados com símbolos de altruísmo, idealismo, esperança e patriotismo.”

Tiradentes foi um homem de seu tempo, que se virava como podia, tinha seus sonhos, ambições e nadava conforme a maré; nunca quis ser herói, símbolo ou mártir de nada, mas segurou seu veneno sozinho. Jebediah Springfield, por sua vez, é um personagem fictício criado pela série de televisão americana “Os Simpsons”. Ele é apresentado como o fundador da cidade de Springfield, em uma clara referência aos fundadores das cidades americanas, que muitas vezes recebiam o nome de seus fundadores. No episódio “Lisa, a iconoclasta” (pra mim o melhor da série), exibido nos EUA em 18 de fevereiro de 1996, descobre-se que a história oficial de Jebediah é uma farsa e que na verdade ele era um pirata chamado Hans Sprungfeld, que mudou seu nome e sua história para se tornar um herói local e um exemplo de virtude para a cidade.

Assim como Tiradentes, Jebediah Springfield foi transformado em um mito para representar os valores e ideais da cidade que fundou. No entanto, enquanto Tiradentes se envolveu em um movimento político real e foi executado por isso, Jebediah Springfield é um personagem fictício que teve sua história inventada para fins humorísticos. Ambos são exemplos de como a história pode ser manipulada e usada para criar símbolos e mitos que representam os valores e ideais de uma sociedade. E como Lisa Simpson disse, esses mitos são importantes para manter a esperança das pessoas e evocar ideais nobres durante as adversidades.

Assim, encerro recorrendo ao historiador José Murilo de Carvalho, que em seu livro intitulado “A Formação das Almas”, escreveu:

“A busca de um herói para a República acabou tendo êxito onde não imaginavam muitos dos participantes da proclamação. Diante das dificuldades em promover os protagonistas do dia 15, quem aos poucos se revelou capaz de atender as exigências da mitificação foi Tiradentes. Não que Tiradentes fosse desconhecido dos republicanos. Campos Sales tinha um retrato do inconfidente em seu escritório. Os clubes republicanos do Rio de Janeiro, de Minas e, em menor escala, de outras províncias vinham tentando desde a década de 1870, resgatar sua memória.
[…]

Em torno da personagem histórica de Tiradentes houve e continua a haver intensa batalha historiográfica. Até hoje se disputa sobre seu verdadeiro papel na Inconfidência, sobre sua personalidade, sobre suas convicções, sobre sua aparência física” (CARVALHO, 1990, p. 57).

Todos em busca de um “Negócio da China!”

O presidente Lula foi pra China. Levou o governador Brandão, uma parelha de deputados, senadores, lideranças, empresários… A trupe brasileira. Não me admira se aparecer um pandeiro, um tamborim e um cavaquinho pra articular um samba nesse avião, pra chegar todo mundo animado pra fazer “Negócios da China”.

No mais é procurar alguém pra botar a culpa dos problemas urgentes; a velha estratégia que, no mínimo, dá um tempo a mais para que uma contenda seja resolvida. Ou esquecida, isso com a ajuda de alguns agentes que podem ir desviando do problema real, ou criar ramificações que causem confusão nas análises. Isto posto vamos aos “Negócios da China”.

Quem pauta? A imprensa ou os poderes constituídos? Ou é como garimpo, apareceu ouro num barranco começam a cavoucar nas laterais, ninguém vai procurar no lugar oposto onde o colega bamburrou. Bamburrar é um “Negócio da China”.

Então vamos discutir os juros no Brasil? É a “batata quente”: vamos jogar no colo de quem? Ah, mas o banco Central é “autônomo”! Ah, mas eu não nomeei o presidente do BC; Ah, mas pra controlar a inflação tem que ter juros de 26% (e não 13,75%); Ah, mas os empresários que querem investir no Brasil vão desistir com um juro desses… Bom, esses juros cósmicos brasileiros devem ser o oposto de um “Negócio da China”, então estes ficam cozinhando por aqui.

Já tivemos alguns “Negócios da China” no Maranhão. Por exemplo, a compra de respiradores durante o início da pandemia de Covid-19, que foi um negócio tão incrível, que virou até livro. Outro foi aquele porto que seria construído na comunidade Cajueiro, que foi devastada, teve sítios espirituais arrancados, o meio ambiente ameaçado e o tal porto ficou no esquecimento. E os moradores da Vila Cajueiro sem as suas casas.

A expressão “Negócio da China” remonta ao século XV, para uma China que virava as costas para o ocidente, que estava louco para por as mãos nas sedas, temperos, ervas, óleos e perfumes orientais, o grande “negócio da China” de então. Agora as coisas mudaram, A Guerra do Ópio ficou lá no século XIX, os chineses se livraram da Inglaterra e meteram a Revolução Maoísta no meio. A China é hoje reconhecida potência mundial e é “onde está o dinheiro”. Então todos querem correr pra lá.

Mas a China só tem feito “Negócios da China” para ela mesma, para as “potências” Estados Unidos e União Europeia o presidente Xi Jinping não oferece, sequer, um sorriso. E no Maranhão, por enquanto, de realidade mesmo em termos de “Negócio da China”, o que temos de concreto palpável e visível é, unicamente, o comércio de bugigangas da Rua de Santana.

A quem interessou e quem se beneficiou com o Golpe de 64

Paulo Henrique M. de Jesus

O Golpe de 31 de março 1964 marcou o início da implantação no Brasil de um Estado de Segurança Nacional, fundamentado no autoritarismo, que vigorou por 21 anos (1964 – 1985) e estruturou-se, entre outras coisas, com base na utilização de diversos mecanismos de repressão e subjugação da sociedade. A violência policial, a elaboração dos Atos Institucionais (AI), censura, intensa perseguição aos opositores da ditadura, expurgos, cassação de mandatos, prisão, a criação dos Inquéritos Policiais Militares (IPM) e do Serviço Nacional de Informação (SNI), O Conselho de Segurança Nacional, a Constituição de 1967, a Lei de Segurança Nacional (LSN), instituída pelo Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967 e revisada pelo Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969. Mas também todo o arcabouço jurídico subsidiário, como por exemplo, o Decreto-Lei nº 317, de 13 de março de 1967 e o Decreto-Lei nº 667 de 2 de julho de 1969 que colocam o aparato policial sob controle do Exército.
Até a década de 1980, foram cientistas políticos os mais interessados em se debruçar e formular interpretações genéricas sobre a adoção latino-americana de governos de cunho militar. Segundo o historiador Carlos Fico tal discussão não apresentava interlocução, na dimensão da pesquisa, com vestígios materiais, acabava por não despertar o interesse dos historiadores. Desse modo, as informações disponíveis sobre a ditadura provinham da imprensa, de discursos oficiais e de depoimentos ou memórias: são recentes os trabalhos que têm acesso a grandes fundos documentais.
Um dos pontos principais da discussão proposta por mim nesse microscópico artigo se concentra em torno da caracterização de quem apoiou, consentiu e possibilitou a realização do golpe. Segundo Carlos Fico o golpe foi apoiado por muitos, mas a movimentação de tropas militares foi autorizada pelo governador Magalhães Pinto e, com a deliquescência do governo, o Congresso Nacional decretou a vacância do cargo de presidente da República: políticos, militares e parlamentares deram o golpe com o apoio, o entusiasmo ou para o gáudio ou desespero de muitos setores.
Analisar com a perspectiva unilateral a ideia de apoio é bastante inconsistente. Se por um lado, é fato que o golpe foi apoiado por diversos políticos, empresários, Igreja Católica, imprensa, latifundiários e contou com a complacência da OAB. Por outro lado, na dimensão das campanhas públicas de opinião feitas à época, era demonstrativo de que havia uma ampla popularidade desfrutada pelo então presidente João Goulart. Ainda nesse sentido, era também evidente que a cúpula das Forças Armadas, já no poder, tinha a preocupação de preservar o apoio dos setores que foram essenciais por ocasião do Golpe de 1964. O Golpe de 1964, se insere na dimensão do enraizamento do Brasil na esfera de influência do capitalismo estadunidense, tendo como alvos não apenas o trabalhismo e o comunismo, mas também todos aquele que eram subjugados pelas contradições capitalistas, nesse caso o todo do proletariado, permitindo que, na perspectiva marxista, a estrutura estatal brasileira, anterior e posterior ao golpe, tivesse uma essência de classe. Significa, então, que o debate sobre o âmago de classe do Golpe de 1964 e da posterior estrutura estatal implantada é vazio. Visto que, tal âmago nunca estivera realmente sob ameaça.
Com o Golpe de 1964, montou-se um conjunto de ideias e práticas cuja finalidade era a defesa do Estado e da ordem política e social chamada Segurança Nacional. Toda essa situação era potencializada no plano internacional pela Guerra Fria (1945 – 1989), cujo advento ressaltou o recurso ao combate efetivo e fulminante à “ameaça comunista” e tornou irrevogável o enfrentamento entre as duas superpotências. É a partir de então que os Estados Unidos passaram a ver a América Latina como região estratégica para a difusão dos projetos políticos e ideológicos de propagação do modelo de Segurança Nacional cujo pressuposto fundamental nesta região do mundo consistia no combate aos movimentos sociais protagonizados pela classe trabalhadora que despontavam como focos de desobediência popular.
A prioridade do Estado de Segurança Nacional seria o controle, perseguição e eliminação de todos aqueles que, de alguma maneira, representassem uma ameaça à “segurança interna” do país, tanto por suas ações quanto por sua maneira de pensar. A perspectiva de “segurança interna” fundamentada na Doutrina de Segurança Nacional (DSN) compreendia que todas as manifestações (políticas, econômicas, artísticas, sociais etc.) divergentes do Estado de Segurança Nacional deveriam ser vistas como atos subversivos. Mas, ao mesmo tempo, de segurança pública, em uma perspectiva não ideológica. Dessa maneira, a atuação da Polícia Militar se fazia importantíssima, tanto na preservação dos interesses do Estado de Segurança Nacional, quanto na preservação da ordem pública.
Tais ações e pensamentos divergentes eram influenciados por um “inimigo externo”: o comunismo. Ainda que não o fossem eram tidos como se fossem. E que, sendo essa uma guerra invisível e não declarada, o “inimigo interno” estaria em todos os lugares sob todas as formas, dentro do território nacional. Diante desse quadro, todos os cidadãos se tornam suspeitos de compactuarem com o comunismo e seu projeto de poder. Na perspectiva da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), a realidade social assume a configuração de uma guerra e em uma guerra ações excepcionais e, talvez, extremas se justificam, são toleradas e até necessárias.
O trabalho de produção do “inimigo interno” se processou a partir do Estado de Segurança Nacional que, além de desconstruir as bases fundamentais da soberania popular e da constitucionalidade desde o próprio ato golpista de 1964, montou também um enorme arcabouço jurídico e institucional autoritário que viabilizasse no campo do Direito Penal a criminalização e o combate a todas as manifestações políticas “subversivas” oriundas da sociedade brasileira. Inúmeros movimentos sociais, entidades de classe e partidos políticos passaram a ser vistos à luz do Direito Penal como criminosas e passaram a ser tratadas como tais.
Visto que o processo de transição do Estado de Segurança Nacional para o regime democrático não se deu de maneira plena e completa, ele acabou permitindo a presença de diversos traços característicos da estrutura autoritária ditatorial que se espalharam por todos os níveis da sociedade brasileira, sobretudo no tocante ao âmbito da Segurança Pública e principalmente no que se refere à manutenção do controle jurídico-institucional da Polícia Militar pelo Exército e das práticas repressivas de preservação da “segurança interna” e combate ao “inimigo interno”, além da preservação da relação entre civis e militares.
Nesse sentido, é fundamental tomarmos a data de hoje como elemento essencial para investigar de que maneira se deu o processo de transição do Estado de Segurança Nacional para o regime democrático no que se refere especificamente ao processo de inclusão dos princípios básicos da Segurança Pública na Constituição Federal de 1988 e qual o tratamento dado tanto à Polícia quanto ao Corpo de Bombeiros Militar.

Doutorando e mestre em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia, Aparatos de Policiamento e Segurança Pública

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