Fazendo caminhada na Litorânea encontrei seu Baldo, ali um pouco antes da “Praça de Alimentação”. Com seus 78 anos, também fazendo sua caminhada “a favor do vento”, o velho me reconheceu e seguimos juntos.
Passando pela “obra” da Litorânea (uma que está remendando o calçadão), seu Baldo me disse: “Siô, é bom o prefeito ficar esperto que esse pedreiro tá enrolando”. E apontou pra “obra”.
– Como Assim, Seu baldo?, pergunto. “Siô, eu ando aqui duas vezes por semana e desde dezembro que vi que começaram a fazer essa calçada. E não sai do lugar. E ainda tão colocando esses bloquetes vagabundos. Se fosse o Chico do Boi, já tava tudo pronto há muito tempo”.
E seguimos no passinho dele. Conheci seu Baldo, amigo de meu pai, em Maraçumé, ainda nos anos 1980. Imagina a sinceridade desse senhor, olhando praquela indecência que são aqueles remendos de terceira categoria que vem sendo executados a passos de cágado na avenida. Mal sabia que o prefeito não tem culpa.
Como se bastassem as placas da prefeitura e do governo do estado que disputam a atenção em vários locais da via. Uma diz que é obra da prefeitura, outra que tem a presença do governo estadual. E o que nos sobra é a vergonha que está estampada ali. O asfalto do prefeito foi rápido e ficou bom.
– Mas seu Baldo, como o senhor faria essa obra?
“Siô, depois que o boi morreu, o Chico do Boi voltou a trabalhar direito. Lembra do Chico do Boi? Pois é… Eu chamava o Chico, ele trazia o Cacimba e o Cazé de ajudantes e o Benedito pra fazer a parte elétrica. Vou apostado se em uma semana, 10 dias, eles não faziam tudinho. Seis mil pro Chico, 1200 pro Cacimba e pro Cazé e 4 mil pro Benedito”.
– Mas, seu Baldo, isso é obra do governo e é licitada, vencida por uma empresa de engenharia.
“É o quê, siô? Brincadeira… Ali na nossa região, todo mundo sabe qual pedreiro é bom e qual é o enrrolão. O Chico sempre foi bom; faz pilastra reta e até assenta lajota. Olha isso!” – O velho falou apontando pra uns bloquetes sendo enterrados na areia mole… “– Hum… “Brandão que fique de olho nesse pedreiro”.
Na guerra entre ingenuidade e sabedoria, ignorância e saber ali estampados vi que seu Baldo tinha toda razão, no interior de sua racionalidade. Uma ação irracional e tola estampada aos olhos de todos, todos os dias, a céu aberto e em belas tardes de pôr-do-sol. Alguns passos lentos e em silêncio, entre um muxoxo e um suspiro, seu Baldo continuou:
“Lembra do Ribinha? Isso, esse mesmo… Era um bom pedreiro. Mas aí foi fazer aquele serviço na beira-rio pra prefeitura, que nunca ninguém viu. Dois meis depois apareceu de railux, aquela que era do prefeito; isso, a cinza. Pois é… Disse que ficou com ela como pagamento. O prefeito tá com uma nova, daquela daimon. Depois disso Ribinha diz que não pega mais serviço pequeno; senão até ele matava essa da Litorânea e mais rápido”.
A gente ia passando por um dos restaurantes, já chegando aonde a neta de seu Baldo ia busca-lo. Dois rapazes de mãos dadas conversavam bem próximos, dentro do restaurante, divididos do calçadão apenas por uma mureta .
“Você, viu?”, pergunta seu Baldo.
– Vi. O senhor tem bronca com isso?
“Ah, sim, acho um desrespeito com as pessoas que estão comendo. Eu, mesmo quando fumava, nunca fiz isso”.
Uma segunda olhada me fez ver que os dois rapazes seguravam cigarros com o braço pendurado pelo lado de fora da mureta.
“Licitação, é? Empresa de engenharia?”. Só rindo mesmo. Devem estar esperando o aditivo…”
Esse seu Baldo….
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