Adroaldo Almeida* – especial para Os Analistas
Há uma expressão um pouco conhecida entre nós, cuja origem vem do inglês do período medieval e que dizia o seguinte: “Don’t throw the baby out with the bath water”; em tradução literal seria “não jogue fora o bebê junto com a água do banho”. A frase chamava a atenção para aqueles que, apressados, descartavam a água que havia sido utilizada para o banho por todas as pessoas de uma família e que, ao final, de tão suja que estava, o bebê, último a tomar banho, poderia ser descartado junto com a água. A frase continua muito atual.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que estabelece diretrizes para o currículo das escolas públicas e privadas no Brasil. Embora tenha sido desenvolvida com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino e a equidade educacional no país, a BNCC tem sido alvo de críticas e controvérsias desde a sua implementação, em 2017. A começar pelo fato de que não houve participação popular e, sobretudo, diálogo com um número mais amplo de segmentos representativos da educação brasileira. Há de se lembrar do contexto político daquele ano, com um presidente – Michel Temer – empossado após um artifício político/jurídico que apeou a presidenta Dilma Roussef da presidência da República.
A falta de envolvimento dos professores e das comunidades escolares na elaboração do documento comprometeu, em grande medida, aspectos importantes do documento, a exemplo de um grande número de competências, habilidades e conteúdos a serem desenvolvidos ao longo da educação básica. Isso pode sobrecarregar o currículo escolar e dificultar a implementação das propostas pedagógicas das escolas.
Além disso, para que a nova BNCC seja implementada de forma efetiva, é necessário que haja recursos financeiros e tecnológicos adequados, bem como formação continuada de professores. Muitas escolas e redes de ensino não têm condições de investir nesses aspectos, o que pode comprometer a implementação da BNCC a curto e médio prazo. Isso revela a falta de conexão entre a BNCC e a realidade das escolas brasileiras. Algumas habilidades e competências estabelecidas são difíceis de serem implementadas em escolas que enfrentam problemas estruturais, como falta de recursos financeiros, infraestrutura inadequada e carência de profissionais capacitados.
Entretanto, como dito no início desse texto, há de se ter cuidado em não descartar a água suja com o bebê dentro. Um dos principais avanços da nova BNCC é a inclusão de competências socioemocionais como objetivo educacional, ao lado das competências cognitivas. Isso significa que as escolas devem se preocupar não apenas em ensinar conteúdos técnicos, mas também em desenvolver habilidades como empatia, resiliência, colaboração e ética, que são essenciais para a formação integral dos estudantes. Essa abordagem mais ampla pode ajudar a formar cidadãos mais conscientes e responsáveis, preparados para lidar com os desafios da vida em sociedade.
Outro ponto positivo da nova BNCC é a incorporação de temas transversais que são importantes para a formação dos estudantes. Entre eles, estão a educação ambiental, a educação para a saúde, a educação financeira e a educação para a cultura digital. Esses temas são fundamentais para a construção de uma sociedade mais sustentável e consciente, e a inclusão deles na BNCC pode contribuir para formar estudantes mais engajados com as questões sociais e ambientais.
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – um dos principais instrumentos de avaliação da aprendizagem dos estudantes no Brasil e de acesso ao Ensino Superior – já há algum tempo utiliza-se de uma abordagem avaliativa que integra conhecimentos de diferentes áreas, como História, Geografia, Sociologia e Filosofia, enfatizando, de forma objetiva, a importância da interdisciplinaridade. E isso está previsto na nova BNCC por meio da integração entre diferentes áreas do conhecimento.
Como se vê, a nova BNCC não deveria, a meu ver, ser de toda ela descartada, mas, discutida por amplos segmentos representativos da educação brasileira para que, a partir daí, tenhamos um documento que reconheça a diversidade do país e possibilite um ensino verdadeiramente democrático, plural e inclusivo. É preciso, ainda, insistir no investimento e estruturação de escolas em tempo integral para que os itinerários formativos previstos pela nova BNCC possam ser implementados com êxito e atender melhor às necessidades e interesses dos estudantes. Nesse sentido, tempo um longo caminho de (re)construção pela frente.
* Prof. Dr. Adroaldo Almeida é Professor do IFMA/Campus São Luís-Maracanã