O senador Marcos do Val (PODEMOS-ES), notório não por seu protagonismo nos debates mais relevantes da política nacional, mas por ser um grande, enorme, propagador de fake News e outras patacoadas da extrema-direita brasileira, aprontou mais uma das suas nos últimos dias, dizendo, desdizendo, não-dizendo, que o ex-presidente de triste memória o teria “coagido” (palavras dele) a gravar uma suposta conversa comprometedora com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes.

É público e notório que do Val foi catapultado para a política pela onda bolsonarista, mas antes disso ele já fazia sucesso na TV e nas redes sociais como um brasileiro “instrutor da SWAT”. Fardado e tudo. Ele ganhou projeção, em 2008, quando apareceu no Fantástico, na condição de especialista em sequestros, criticando o desempenho das Forças de Segurança do Estado de São Paulo em relação ao caso Eloá. Daí em diante ele virou figurinha fácil em diversos programas de TV e virou até capa de livro.

Acontece que, segundo matéria publicada no portal Forum (no final haverá uma lista de links úteis), Marcos do Val nunca foi policial na vida. Tampouco integrante da SWAT ou “especialista em sequestro”. Se muito, foi “instrutor de imobilização” de um curso terceirizado e oferecido para policiais do Texas, nos Estados Unidos.

Em 2014 ocorreu na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão um “Seminário Internacional de Segurança Pública”. Diversas autoridades participaram do evento que em termos práticos não teve nenhuma relevância para as discussões em torno do avanço da criminalidade violenta em nosso estado. Porém, o ponto alto do evento foi a “palestra” (parecia mais um coach) de um sujeito chamado Marcos Bonfim (imigrante brasileiro nos Estados Unidos), que se apresentou como chefe do departamento de polícia da cidade de King, na Carolina do Norte (EUA). Eu, assim como muitos outros, tietei o chief Bonfim. Até tirei uma foto com o sujeito.

Eis que ontem me deparei com uma matéria antiga, publicada em 07/11/2018, no portal “O Tempo”, intitulada “BRASILEIRO RADICADO NOS EUA SE CANDIDATA A SECRETÁRIO DE SEGURANÇA E CAUSA MAL-ESTAR”. Ao ler a matéria lembrei do dito chief e da presença dele em São Luís e resolvi buscar maiores informações. Foi, então, que encontrei outras matérias sobre ele. Mas, a maioria falava de uma acusação que ele vinha sofrendo de não ser policial coisa nenhuma e sim funcionário de uma empresa de segurança privada. Em suas redes sociais o “chief Bonfim” dá palestras, dicas e orientações sobre procedimentos e rotinas de policiamento praticados pelas polícias norte-americanas. Até aí, tudo bem!! O problema é ele se apresentar como oficial de polícia.

Desconfiado dessa situação toda decidi fazer o que um pesquisador faz. Busquei as fontes primárias a partir de algumas informações sobre qual departamento de polícia ele dizia ser. Primeiro entrei em contato via Messenger com o Depto. de polícia de King (NC) e perguntei se ele era policial naquele departamento. A resposta foi que não. Depois, eu li uma matéria sobre o fato dele ter sido flagrado colando no teste no Depto. de polícia de Charlotte-Macklenburg e por isso foi expulso. Resolvi entrar em contato também com este Depto. de polícia e a resposta foi a mesma.

Moral da História. O sujeito veio pra São Luís com tudo pago, deve ter recebido um cachê gordo; chegou todo uniformizado e tirou onda de tira americano e passou a perna em todo mundo. E eu de besta ainda me iludi achando que estava “crente e abafando”.

A atração que diversos segmentos da sociedade brasileira possuem em relação às forças policiais de países como a Europa e os Estados Unidos é compreensível, especialmente quando tais forças são bem sucedidas no combate à violência e ao crime em suas mais diversas modalidades. Eu diria até que a circulação transnacional de saberes e práticas de policiamento, o fluxo global de técnicas investigativas, métodos de identificação de criminosos, procedimentos policiais preventivos e ostensivos, são essenciais para a melhoria do desempenho das forças policiais brasileiras e das ações de segurança pública. Sobretudo em relação à diminuição da letalidade policial e no aumento dos índices de resolutividade dos homicídios. Desde que não seja uma mera transferência de modelos de um centro produtor para uma periferia receptora.

O problema é quando esse fascínio é cego e burro, se limitando a motivações entusiasmadas modernizantes de uma elite burocrática policial ou de uma multidão que clama por medidas excessivamente punitivistas e que se restringe a copiar modelos de outros países, correndo o risco, muitas vezes de cairmos na esparrela dos “do Val e chief Bonfim” da vida.

Por Paulo Henrique Matos de Jesus

(Doutorando e mestre em História; pesquisador em História Social do Crime, Polícia e Segurança Pública)

 

Links úteis:

https://www.otempo.com.br/politica/aparte/brasileiro-radicado-nos-eua-se-candidata-a-secretario-de-seguranca-e-causa-mal-estar-1.2064714

https://fenapef.org.br/45537/
https://www.braziliantimes.com/comunidade-brasileira/2019/12/30/apos-acusacao-de-ser-falso-policial-marcos-bonfim-denuncia-jones-sathler-ao-ice.html

https://www.google.com/amp/s/www.acheiusa.com/Noticia/erramos-homem-que-pede-boicote-ao-brasil-nao-e-chefe-do-king-police-department-16869/amp/