Executado a 21 de abril de 1792, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, era um típico brasileiro que devido sua descendência portuguesa ingressou na tropa de linha como alferes (equivalente a 2° tenente) da 6.ª Companhia de Dragões da Capitania de Minas Gerais. Como ainda hoje é comum, Tiradentes exercia ao mesmo tempo a função militar e outras atividades: tropeiro, comerciante, minerador, contrabandista. E também tinha lá suas ambições pessoais. Não era rico, mas não era nenhum miserável. O inventário de seus bens revelou que ele era proprietário de 43 jazidas de ouro e de alguma escravaria. Sua insatisfação com o governo vinha do fato de ter sido preterido para o cargo de Comandante do destacamento da Serra da Mantiqueira. Era por essa serra que o ouro de Minas Gerais chegava até São Paulo. Logo, sendo comandante militar da região, ele poderia contrabandear algum ouro em benefício próprio.

O alferes Joaquim foi executado pelo crime de alta traição e lesa-majestade; foi o único entre os inconfidentes a ser executado não por ser o mais pobre, mas por ser militar e ter assumido toda a culpa pela conspiração. Foi esquartejado, teve o terreno de sua casa salgado, excomungado, bens confiscados, “infâmia para seus descendentes” (constam nos autos). Foi tratado como pária desde então e assim o foi por todo o restante do Período Colonial e da Monarquia. Todavia, a Proclamação da República viria redimir “nosso herói”. Necessitava-se de um símbolo que representasse os princípios republicanos e militares e eis que Tiradentes é alçado do subterrâneo da experiência histórica brasileira para os “píncaros da glória” (Vicente Celestino). Lisa Simpson ao descobrir a verdadeira história de Jebediah Springfield e tentada a revelá-la a todos parou e disse: “Os mitos são importantes. São eles que mantém a esperança das pessoas e que durante as adversidades são evocados com símbolos de altruísmo, idealismo, esperança e patriotismo.”

Tiradentes foi um homem de seu tempo, que se virava como podia, tinha seus sonhos, ambições e nadava conforme a maré; nunca quis ser herói, símbolo ou mártir de nada, mas segurou seu veneno sozinho. Jebediah Springfield, por sua vez, é um personagem fictício criado pela série de televisão americana “Os Simpsons”. Ele é apresentado como o fundador da cidade de Springfield, em uma clara referência aos fundadores das cidades americanas, que muitas vezes recebiam o nome de seus fundadores. No episódio “Lisa, a iconoclasta” (pra mim o melhor da série), exibido nos EUA em 18 de fevereiro de 1996, descobre-se que a história oficial de Jebediah é uma farsa e que na verdade ele era um pirata chamado Hans Sprungfeld, que mudou seu nome e sua história para se tornar um herói local e um exemplo de virtude para a cidade.

Assim como Tiradentes, Jebediah Springfield foi transformado em um mito para representar os valores e ideais da cidade que fundou. No entanto, enquanto Tiradentes se envolveu em um movimento político real e foi executado por isso, Jebediah Springfield é um personagem fictício que teve sua história inventada para fins humorísticos. Ambos são exemplos de como a história pode ser manipulada e usada para criar símbolos e mitos que representam os valores e ideais de uma sociedade. E como Lisa Simpson disse, esses mitos são importantes para manter a esperança das pessoas e evocar ideais nobres durante as adversidades.

Assim, encerro recorrendo ao historiador José Murilo de Carvalho, que em seu livro intitulado “A Formação das Almas”, escreveu:

“A busca de um herói para a República acabou tendo êxito onde não imaginavam muitos dos participantes da proclamação. Diante das dificuldades em promover os protagonistas do dia 15, quem aos poucos se revelou capaz de atender as exigências da mitificação foi Tiradentes. Não que Tiradentes fosse desconhecido dos republicanos. Campos Sales tinha um retrato do inconfidente em seu escritório. Os clubes republicanos do Rio de Janeiro, de Minas e, em menor escala, de outras províncias vinham tentando desde a década de 1870, resgatar sua memória.
[…]

Em torno da personagem histórica de Tiradentes houve e continua a haver intensa batalha historiográfica. Até hoje se disputa sobre seu verdadeiro papel na Inconfidência, sobre sua personalidade, sobre suas convicções, sobre sua aparência física” (CARVALHO, 1990, p. 57).