Luiz Eduardo Neves dos Santos*
O Plano Diretor é norteador da política de desenvolvimento e de expansão urbana nos limites municipais, constitui-se numa importante ferramenta que lança diretrizes para a organização, ordenação e a produção do espaço. Ele é o instrumento jurídico pelo qual os municípios definem os objetivos que devem ser atingidos, estabelecendo o zoneamento, as exigências quanto às edificações e um sem-número de outras matérias fundamentalmente pertinentes ao uso do solo. Com advento da Constituição de 1988 e da promulgação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), o processo de construção das propostas passou a ser participativo.
Em São Luís, o processo de revisão do Plano Diretor se arrasta desde 2014, atualmente o projeto de lei se encontra na Câmara Municipal e está prestes a ser aprovado, ainda neste mês de fevereiro, segundo os legisladores que integram a Comissão de Recesso, encarregada no mês de janeiro passado, de analisar a proposta. A seguir, exponho 5 pontos positivos e 5 pontos negativos de tal proposta para o município de São Luís.
Pontos Positivos:
- O Título V que trata da Política de Acessibilidade Universal e da Política de Mobilidade apresenta questões relevantes, esta parte da proposta contém 27 artigos (do nº 51 ao nº 77) e traz uma série de diretrizes para melhorar a questão da mobilidade, como na perspectiva de se instalar o Plano de Mobilidade do Município e possibilitar a implantação de políticas de melhoramento no sistema viário;
- Os instrumentos da Política Municipal de Meio Ambiente, são 20 ao todo, a exemplo do Sistema Integrado de Gerenciamento Costeiro, Conselho Municipal de Meio Ambiente e Fundo Municipal de Meio Ambiente, que se forem colocados em prática pela gestão municipal, possibilitarão maior eficácia na fiscalização e na implantação de políticas públicas ambientais;
- O Sistema de Informações Urbanísticas (Capítulo V, Artigos nº 148, 149, 150 e 151) da proposta traz um importante conjunto de dados físico-territoriais com o intuito de coletar, organizar, produzir e disponibilizar acesso à população de informações sobre a cidade. Desde que tenha sua cartografia atualizada e sendo alimentado por dados informacionais constantemente, é uma poderosa ferramenta de controle e monitoramento pela sociedade civil;
- O título IX que trata do Sistema de Acompanhamento e Controle Social da Política de Desenvolvimento Urbano e Rural é outra parte importante da Proposta, pois possibilita a participação de diversos atores sociais no debate sobre a cidade, muito embora seja necessária uma maior participação de grupos que representam a classe trabalhadora e os habitantes das periferias e da zona rural de São Luís, como no caso do Conselho da Cidade;
- Os 14 instrumentos urbanísticos contemplados na proposta do Plano Diretor no título X são de grande relevância, desde que sejam regulamentados e postos em prática pela gestão municipal. Eu destacaria a implementação urgente de 2 destes instrumentos em São Luís: O Imposto Predial e Territorial Urbano Progressivo no Tempo, pois permite que se cumpra a função social da propriedade, ou seja, o proprietário de imóveis tem que dar uso adequado ao seu bem, sob pena de pagar mais imposto ou até mesmo de ter seu imóvel desapropriado. As Zonas Especiais de Interesse Social (que já precisavam estar demarcadas nesta proposta), que têm a finalidade de promover a recuperação urbanística, a regularização fundiária, o remanejamento e a produção de habitações de interesse social, incluindo a recuperação de imóveis degradados e a provisão de equipamentos sociais e culturais;
Pontos Negativos:
- O Macrozoneamento Urbano não se apresenta da melhor forma, pois pretende avançar sobre territórios rurais (Macrozona em Consolidação 2) para atender interesses industriais e imobiliários como a instalação de um mega terminal portuário e sua área de retroporto, em detrimento de populações e comunidades que vivem nesses lugares que hoje são rurais, composto principalmente por matas secundárias, matas secundárias fragmentadas e algumas áreas urbano-industriais, além de pequenas manchas urbanas de média densidade. Não houve estudos técnicos mais aprofundados para justificar a expansão da zona urbana, nem mesmo há orçamento no Município para levar infraestrutura (esgotamento sanitário, abastecimento d’água, iluminação, asfaltamento, etc.) para estas novas áreas;
- A proposta entregue ao Legislativo Municipal redelimita as áreas de dunas do litoral norte a fim de legalizar ocupações/edificações que hoje são consideradas ilegais, objeto inclusive de judicialização em âmbito federal e estadual. Foram suprimidos 11,5 hectares de territórios de dunas. Destaco que o Plano Diretor, em relação ao zoneamento das dunas, não pode transgredir o que está preconizado na Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012 (Código Florestal) que as considera como Área de Preservação Permanente – APP, independente se estão ocupadas ou não;
- Na proposta há perdas em territórios destinados à recarga de aquíferos, que armazenam a água subterrânea que estão de 40-60 metros de altitudes no município, que precisam ter áreas permeáveis de no mínimo 30% para conservação das águas nos lençóis freáticos. De acordo com o Levantamento Hidrogeológico da Ilha do Maranhão, realizado pelo Serviço Geológico do Brasil – CPRM e da Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico – ANA há baixa recarga de água nos aquíferos a partir dos resultados médios anuais por ocupação do solo, o que reflete um cenário desastroso para o abastecimento de água no município;
- A proposta deixa muito a desejar porque não fez um mapa de Macrozoneamento Rural, apesar de trazer nos artigos 49 e 50 um dito “Macrozoneamento Rural”. Isto demonstra a falta de interesse por parte do ente municipal para com os territórios rurais, cada vez mais ameaçados pela indústria pesada e outras atividades do ramo, que por sua vez tem despejado na atmosfera grandes quantidades de poluentes, como Partículas Totais em Suspensão (PTS), Poeira Mineral de Indústrias (MP10), Óxidos de Nitrogênio (NOx), Dióxido de Enxofre (SO2) e Monóxido de Carbono (CO);
- Outro aspecto negativo no projeto é a transformação de metade do Sítio Santa Eulália em Macrozona em Consolidação 1, uma mancha no mapa que possui altíssimo valor para o mercado imobiliário, mas que poderia ser utilizada para outros fins, por ter potencial e valor paisagístico e ambiental.
Os planos diretores não são planos de ação, porém são importantes ferramentas jurídicas que auxiliam no planejamento urbano dos municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes, encaminhando diretrizes para que possam ser resolvidos uma série de gargalos nos centros urbanos, mas, amiúde, eles não tem sido aplicados, ficam na gaveta, muitos de seus dispositivos não são regulamentados, nem mesmo funcionam. Em São Luís não é diferente, na teoria, e de uma forma geral, a proposta apresenta coisas boas, mas a História recente nos mostra que apenas determinadas classes sociais são favorecidas. Enquanto o Plano Diretor for elaborado sem previsão orçamentária, sem a efetiva participação e integração de atores sociais e diferentes órgãos da administração pública, enquanto a gestão não andar de mãos dadas com o planejamento, a lei não cumprirá seu papel na construção da cidadania e atenderá a uns poucos em detrimento de muitos.
_______________________
* Geógrafo, Doutor em Geografia e Professor do Curso de Ciências Humanas da UFMA.