terça-feira, 25 novembro, 2025

É nesse cenário que surge a questão provocativa que levanto aqui neste artigo: estaria o governador Carlos Brandão empenhado em constituir seu próprio patrimônio político-familiar, reproduzindo práticas históricas das elites às quais ele próprio se opôs como parte do bloco de renovação?

Prof. Nonato Chocolate – especial para Os Analistas*

A dinâmica política maranhense expressa, com rara nitidez, a plasticidade do campo político brasileiro. A metáfora das “nuvens” se ajusta bem ao jogo de forças, alianças e reposicionamentos que, ao longo de décadas, estruturaram a hegemonia das elites regionais. No Maranhão, o sobrenome “Sarney” não operou apenas como marca familiar, mas como categoria sociológica que simboliza a formação de um regime político oligárquico, cujos efeitos se capilarizaram no Estado brasileiro.

José Sarney, figura central dessa elite, acumulou capitais políticos e simbólicos em diferentes escalas: municipal, estadual e nacional, convertendo-os continuamente em formas renovadas de dominação. A longevidade de seu grupo não pode ser compreendida sem considerar mecanismos clássicos da sociologia política brasileira: o patrimonialismo, o clientelismo, a personalização do poder e a sobreposição entre esferas pública e privada. Assim se sustentou um sistema em que o Estado serviu, repetidas vezes, como fonte de reprodução de poder político-familiar.

Embora a capital, São Luís, historicamente apresentasse resistência eleitoral ao sarneysismo, o interior maranhense consolidou, por décadas, redes de apoio que alimentaram a permanência do grupo nos espaços institucionais: Câmara, Senado, governos estaduais, além da eleição da primeira governadora mulher do Brasil, Roseana Sarney.

A erosão desse arranjo não se deu por acaso, mas pela fissura provocada por um dos principais quadros do próprio grupo: José Reinaldo Tavares, cuja ruptura expôs contradições internas da elite tradicional. Sua dissidência não foi apenas um ato individual, mas um fenômeno sociologicamente compreensível no interior das lógicas das oligarquias: quando o capital político interno já não se converte em ascensão dentro da estrutura, os agentes tendem a reorganizar-se e formar seus próprios polos de poder.

A partir desse racha emergem dois nomes que, duas décadas depois, assumiriam protagonismo no campo político: Flávio Dino e Carlos Brandão, ambos ex-integrantes do reinaldismo, cada qual trilhando trajetórias distintas na luta pelo monopólio da representação legítima do poder no Estado.

Flávio Dino, com forte capital cultural e institucional: juiz federal, deputado, presidente da Embratur, governador, senador, ministro da Justiça – Segurança Pública e  ministro do STF, construiu uma carreira marcada pela circulação entre diferentes campos (jurídico, burocrático e político), acumulando prestígio e legitimidade.

Carlos Brandão, ao contrário, emergiu a partir de posições consideradas secundárias dentro da elite política, deputado de “baixo clero”, pois mesmo sendo “tucano de bico- grosso”, não alçou voos mais altos que as “colinas”, mas foi secretário de governo até tornar-se vice e sucessor de Dino, graças à lógica das alianças que integram diferentes frações das elites estaduais.

É nesse cenário que surge a questão provocativa que levanto aqui neste artigo: estaria o governador Carlos Brandão empenhado em constituir seu próprio patrimônio político-familiar, reproduzindo práticas históricas das elites às quais ele próprio se opôs como parte do bloco de renovação?

A nomeação de José Adriano Sarney, neto de José Sarney para a MOB nos mostra que mesmo com o sobrenome e força do avô, ele não conseguiu renovar seu mandato de deputado estadual e não se trata apenas de um cargo: é um marcador simbólico de permanência. E é nesse cenário que surge a especulação: estaria Brandão ensaiando seu próprio movimento “nepossível”, ao supostamente posicionar seu sobrinho como possível herdeiro político? O jogo linguístico entre nepos termo em latim para neto ou sobrinho, e nepotismo é mais que metáfora; é uma chave analítica para compreender a persistência das lógicas oligárquicas no Brasil.

A sociologia política ensina que rupturas e continuidades convivem tensa e simultaneamente. Um governante pode ser produto de uma aliança modernizadora e, ao mesmo tempo, reproduzir padrões tradicionais de construção de poder. O Maranhão conhece profundamente essas ambiguidades.

Assim, a pergunta que permanece é menos moral e mais estrutural: Brandão está reproduzindo as formas históricas de sucessão política — ou com ousadia está simplesmente respondendo às lógicas de governabilidade que o sistema impõe? Seja qual for a resposta, permanece atual a famosa advertência atribuída a Leonel Brizola, frase que sintetiza a racionalidade estratégica da política brasileira: “A política ama a traição, mas odeia o traidor.

 

* Professor de Sociologia do COLUN/UFMA, Mestre em Educação.

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