Hamlet – Não estás vendo?
Rainha – Não vejo nada; todavia vejo tudo que há ao meu redor.
(Ato 3; cena 4 Hamlet – William Shakespeare)
“Há algo de podre no Estado do Maranhão”! Bom, embora não tenhamos nenhum príncipe Hamlet a vociferar, e, embora não haja um usurpador de trono, nós temos pretensos herdeiros. Essa é diferença deste momento democrático do mundo, para aquele dos reis ou das Capitanias Hereditárias.
O governador Carlos Brandão foi eleito. E quer que seu sobrinho seja seu sucessor. O contrário do que fez o tio de Hamlet, que matou o rei, seu próprio irmão, casou com a cunhada, mandou o sobrinho pra Inglaterra e se tornou rei.
Mas eis que um dia o príncipe volta e percebe, já pelas cercanias dos castelos, que “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, onde se passa ação. Aqui no Maranhão, há muito se bafeja que há algo de podre, desde o século XVII.
Agora, são vazamentos, ora de prints, ora de áudios, acusações de traição, de quebra de acordo, obras em benefício próprio, corrupção, enriquecimento ilícito, improbidade administrativa… São acusações de tribunas diversas (às vezes de litóstrotos), mas que nunca vão além. ira, muita ira. Cada hora de um lado.
Com a Representação na Câmara dos Deputados, apresentada ontem (13) pelos deputados Márcio Jerry e Rubens Jr, se dizendo vítimas de arapongagem, ou seja, de escutas ilegais, o caldo entornou na Assembleia Legislativa hoje (14). A sessão foi encerrada “antes de ser aberta”. E os deputados do lado de fora tentando entrar.
O que tiramos de uma situação como esta no nosso querido Maranhão? Este mesmo Maranhão nada diferente daquele do século XVII mostrado, analisado, e desacreditado pelo mestre dos Sermões, P. Antônio Vieira, aquele que, tendo a igreja vazia, abandonada pelos fiéis pecadores, pregou aos peixes..
Sei que a leitura não é hábito da grande maioria (não ressaltarei nenhuma classe), mas que ali deveria ser. O pior é que a leitura não é prioridade de quase ninguém, ou por que não sabe ou porque não pode.
Ainda assim, vou citar uma obra da literatura que me é caríssima: Grande Sertão: Veredas. Ali mergulho em algumas frases e algumas ideias (talvez todas, ou muitas, talvez algumas que eu ainda nem percebi).
Quem não conhece esse romance, que sequer viu a minissérie dos anos 1980, pode achar que é uma história de cangaço, de jagunços e de violência. É. Mas é também uma história de amor e uma busca de sentido da vida. Uai, mas a vida não é bem isso? Pois é… A literatura, também.
“Carece de ter coragem” é uma frase repetida pelo cangaceiro Reinaldo, também conhecido como Diadorim. Ele sempre lembrando seu fiel amigo, o cangaceiro Riobaldo que, antes de tudo, se carece de ter coragem.
Como ninguém vai atrás mesmo, vou dizer: no momento mais crucial, Riobaldo desmaia! Mas não falarei mais nada sobre isso.
Será que ele desmaia por falta de coragem? Não. Ele desmaia de Medo? Talvez. Mas não medo de outros homens ou de morrer, ou de guerrear. É outro medo. Desses que tantas vezes estão escondidos nos cofres da nossa alma. Ou um medo novo. Ou talvez um medo de perder o que nunca se teve.
Mas há também uma fala do príncipe Hamlet, que aparece na obra de mesmo nome, que parece a solução para todo desafio:
“Desafio os augúrios; existe uma providência especial na queda de um pardal. Se não for agora, não está mais para vir, se não está para vir, é esta a hora; e se esta é a hora, virá de qualquer modo. Estar prevenido é tudo. E como nenhum homem é dono do que abandonará um dia, que importa abandoná-lo cedo ou tarde”?